Boa parte dos empreendedores ignoram regras básicas antes de pedir um empréstimo. Assim, o que serviria para impulsionar o negócio pode acabar levando para o buraco.
“Eu diria que 98% fazem errado. Quem sabe pedir crédito é exceção”, afirma Enio Pinto, gerente de relacionamento do Sebrae.
Não planejar a necessidade financeira da empresa e o destino do dinheiro obtido são dois dos erros mais comuns, diz ele. Outro, que pode afetar gravemente o funcionamento do negócio, é não projetar a capacidade de pagamento mensal dos juros.
Esse foi um dos principais obstáculos para o empresário Raul Poloni, 36, dono da Maxxmotors, loja online de acessórios para automóveis, com escritório na zona leste de São Paulo.
Desde o início do negócio, há 14 anos, ele tem contraído empréstimos continuamente. Segundo o empresário, a falta de dinheiro, a inexperiência e a má administração fizeram com que esse buraco financeiro se arrastasse ao longo dos anos.
Ele deixou de pagar as dívidas da empresa em alguns momentos, voltando mais tarde a renegociá-las ou fazer acordos. “Meu sobrenome é juros”, brinca Raul, que é formado em gestão de negócios.
Hoje, ele tem que lidar com os juros de quatro empréstimos. Dois foram feitos junto à Caixa Econômica e renegociados na pandemia, com valor total de R$ 170 mil.
Os outros foram contraídos em novembro no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), com valor de R$ 210 mil. A meta é usar o dinheiro para investir na importação de peças automotivas e gerar fluxo de caixa.
A seguir, veja quais são as cinco principais falhas cometidas por empreendedores ao pedir um empréstimo, apontadas por especialistas.
DIFICULDADE DE IDENTIFICAR AS NECESSIDADES DO NEGÓCIO
O primeiro grande erro do empresário é partir para o empréstimo sem antes verificar se existem alternativas, afirma Pinto.
“Será que o empreendedor não está superestocado e pode fazer uma liquidação? Ou falta alinhar os prazos de contas a pagar e a receber? Nesses casos, ele não precisa buscar crédito, e sim tentar se organizar melhor”, recomenda o especialista.
Mesmo quando a necessidade do empréstimo existe, há uma grande dificuldade para determinar o valor a ser pedido. Para isso, Pinto orienta a fazer uma avaliação detalhada da aplicação desse dinheiro e da capacidade de pagamento da empresa.
BUSCAR CRÉDITO PARA COBRIR UM ROMBO NAS CONTAS
De acordo com o presidente do SPC Brasil, Roque Pellizzaro, boa parte dos empreendedores erra ao imobilizar os recursos da empresa, fazendo com que falte capital de giro. Assim, muitos acabam recorrendo a um empréstimo em caráter emergencial.
O problema é que, ao usarem esse recurso apenas quando já existe um rombo nas contas, os empresários não conseguem investir a quantia no negócio e originar receita adicional.
“Cada empréstimo deve gerar um dinheiro novo ou expandir a empresa, permitindo pagar o financiamento. Quando o empreendedor pega para tapar buraco, lá na frente não vai ter dinheiro suficiente para pagar”, afirma.
NÃO DEFINIR PREVIAMENTE QUAL O DESTINO DO RECURSO
Ter em mente desde o início com que objetivo o dinheiro vai ser utilizado é outro aspecto essencial para fazer um empréstimo bem-sucedido, afirma Enio Pinto, do Sebrae.
Se o foco for um investimento fixo, como a compra de equipamentos ou veículos, o empresário deve buscar uma linha de financiamento. Já no caso de o dinheiro ser aplicado em capital de giro, o mais aconselhável é procurar um empréstimo simples.
“Se a linha for direcionada à necessidade do negócio, o custo acaba saindo mais barato. Não se pode pedir uma conta garantida qualquer e sair pegando dinheiro a custo alto”, diz Ricardo Rocha, professor de finanças do Insper.
MISTURAR FINANÇAS PESSOAIS COM AS DA EMPRESA
A dificuldade de separar o dinheiro que pertence à pessoa jurídica e a física é outra questão que pode impactar negativamente o negócio. De acordo com Pellizzaro, é um problema comum entre pequenos empreendedores usar parte de um empréstimo para a empresa em compras pessoais.
No entanto, se o capital não for investido no negócio, isso pode afetar seu funcionamento e comprometer a capacidade de pagamento da dívida. “Não se pode extrapolar isso. Aquele dinheiro é o sangue da empresa”, diz.
NÃO PROJETAR A CAPACIDADE DE PAGAMENTO DA DÍVIDA
É preciso ter controle do histórico de orçamento da empresa e simular financeiramente tanto o melhor quanto o pior cenário para o negócio, aponta Rocha. “Se trabalhar dessa forma, é possível estar mais precavido até contra algo como a pandemia.”
Segundo Pinto, um problema é que o empresário costuma fazer o cálculo considerando a realidade atual, sem contar o aditivo financeiro ao negócio que o empréstimo significa. “Se está investindo em uma máquina ou insumo, ele vai ter uma receita a mais.”