Em uma decisão inovadora, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina – TJSC reconheceu pagamento indevido e deferiu o pedido de restituição de alimentos compensatórios em uma ação de divórcio. O caso contou com atuação dos advogados Rodrigo Pereira Fernandes, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, e Felipe Prange Piva.
Rodrigo Pereira Fernandes explica que, no caso em questão, houve concessão da guarda provisória dos filhos à mãe, com alimentos em pecúnia e in natura às crianças. Também foram deferidos alimentos transitórios e alimentos compensatórios à mulher.
Os alimentos compensatórios foram fixados para evitar prejuízo à esposa, em razão da administração exclusiva por parte do marido das empresas, antecipando parte do lucro que seria comum. “A insurgência do nosso constituinte se deu exclusivamente em face dos alimentos compensatórios, pois como médico, tendo apenas uma sociedade de serviços, pela qual recebe seus respectivos honorários e ainda cotas de uma clínica que não lhe gerava distribuição de lucros.”
O advogado explica que não era a hipótese de se fixar essa compensação, porque nunca houve patrimônio comum que gerasse lucro partilhável. “Por meio da nossa advocacia, conseguimos demonstrar que as empresas, na verdade, não praticavam atividade empresarial, mas as cotas eram utilizadas para prestação de serviços médicos e reduzir a carga tributária, tudo dentro da legalidade.”
“Demonstrou-se que, na verdade, quando determinado o pagamento de alimentos compensatórios do suposto lucro empresarial, o que estava sendo pago (compensado) era o salário do alimentante, em ofensa à regra do artigo 1.659, VI do Código Civil, porque vedada a partilha do salário. Ademais, havia concomitantemente alimentos transitórios fixados em quantia elevada”, esclarece o especialista.
Princípio da Irrepetibilidade
Em primeiro grau, o pedido de revogação do pagamento da verba compensatória foi indeferido. Em segundo grau, via agravo de instrumento, houve o reconhecimento do seu incabimento na espécie.
“Como houve o pagamento por meses da decisão provisória, até a suspensão e depois afastamento definitivo pelo Tribunal de Justiça, entendemos ajuizar uma Ação de Repetição de Indébito, eis que, como notório, os alimentos compensatórios não têm a conotação daqueles alimentos do artigo 1.694 do Código Civil, constituindo-se em verba de caráter indenizatório. Assim, como também seu inadimplemento não enseja em risco de prisão civil, não estão sujeitos ao Princípio da Irrepetibilidade”, frisa Rodrigo.
O advogado ressalta que não houve sucesso na ação em primeiro grau, mas que o TJSC, “pretório expoente em decisões de Direito de Família”, após quatro sessões de debates, deu provimento ao recurso, julgando procedente a ação e determinando a devolução dos alimentos compensatórios pagos enquanto vigia a tutela provisória.
“Importante registrar que, além de termos levado ao processo parecer do mais elevado jurista brasileiro na matéria, Rolf Madaleno, os integrantes da Sexta Câmara do TJSC, notadamente os Desembargadores Stanley da Silva Braga, Andre Luiz Dacol e André Carvalho, ajoeiraram de maneira exemplar os autos do processo, com o escopo de realizarem a melhor Justiça ao caso a eles submetido”, destaca o especialista.
Natureza alimentar
Rodrigo pondera que, curiosamente, a sentença reconheceu a ilegalidade dos pagamentos, mas julgou improcedente o pedido em razão da irrepetibilidade dos alimentos. “Para o caso concreto, existe um distinguish, que foi muito bem reconhecido no v. aresto, sobre a natureza da verba paga.”
“Os alimentos fundamentados nos deveres pós-conjugais, da solidariedade, da necessidade, notoriamente são irrepetíveis, mas, os compensatórios como então fixados não estão atrelados a esses ‘princípios’. Os desembargadores foram muito zelosos ao julgar o recurso e reconhecer que ‘os alimentos discutidos possuem natureza eminentemente indenizatória, pois foram arbitrados em razão da fruição unilateral pelo apelante do suposto patrimônio comum’”, avalia o advogado.
O especialista observa que houve a modulação de uma verba com nome de "alimento", paga em prestações mensais, mas que não é uma verba de natureza alimentar, e sim de caráter ressarcitório, indenizatório, a fim de evitar o que o ex-cônjuge que não controla o patrimônio comum que gera frutos, fique sem acesso a eles, até que se consume a partilha.
“Por se tratar de verba cuja finalidade era de 'antecipar a partilha', mesmo com a nomenclatura de 'alimentos' não houve aplicação da Súmula 621 do Superior Tribunal de Justiça – STJ, porque essa não está relacionada às verbas de caráter ressarcitório. Essa foi a grande argumentação da ação proposta. Se os tradicionais alimentos são irrepetíveis, a verba indenizatória denominada de ‘alimentos compensatórios’ tem outra natureza jurídica e deve ser devolvida, sob pena de enriquecimento ilícito”, explica.
Negar o direito do alimentante, segundo o advogado, seria permitir o enriquecimento indevido da outra parte, em detrimento do empobrecimento daquele, porque teve parte de seu patrimônio equivocadamente entregue à alimentanda.