O governo Temer parecia disposto a simplificar o pagamento de impostos, sem mexer – para mais nem para menos – na carga tributária. A ideia era fazer uma “reforma fatiada”, via medidas provisórias, começando pelo PIS e em seguida mexendo na Cofins, contribuições que respondem por 80% do contencioso de tributos federais. Mas uma derrota no Supremo Tribunal Federal (STF) forçará o Planalto a repensar sua estratégia.
O que era para ser apenas a unificação da forma de cobrança do PIS e da Cofins – cuja legislação tem mais de 1,8 mil páginas, segundo o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper – corre o risco de virar, também, um aumento nas alíquotas dos dois tributos.
Na semana passada, 18 anos após o início do julgamento, os ministros do Supremo decidiram que o ICMS não compõe o faturamento das empresas e, portanto, não deve fazer parte da base de cálculo de PIS e Cofins. Uma vitória para as empresas, que sempre contestaram a cobrança em cascata. E uma perda bilionária para o governo.
O Tesouro deixará de arrecadar perto de R$ 20 bilhões por ano, quase 8% da arrecadação com esses dois tributos, que somou R$ 264 bilhões em 2016. E pode perder mais no futuro: se PIS e Cofins não podem incidir sobre o ICMS, também fica ameaçada sua incidência sobre outros tributos.
O Ministério da Fazenda já pensava em elevar PIS/Cofins sobre combustíveis e eventualmente subir outros impostos, para cumprir a meta fiscal. A decisão do STF abriu um novo rombo a ser coberto.
“O governo terá de trazer à tona essa discussão: vai perder essa arrecadação ou vai recuperá-la com uma nova alíquota?”, questiona Roberto Nogueira Ferreira, consultor da presidência da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). Autor do livro “A Reforma Essencial II – Esqueçam a Reforma Tributária”, ele acompanha há décadas as tentativas de mudar a estrutura de impostos do país.
Simplificação
Após o revés no Supremo, integrantes do governo disseram que continua em pé o plano de apresentar a reforma do PIS/Cofins em até 60 dias. A ideia de unificar os regimes não surgiu agora. Desde 2012 o governo fala em acabar com a modalidade “cumulativa” (que tem alíquotas menores, mas incide sobre todo o faturamento) e levar todas as empresas para a “não cumulativa” (que tem alíquotas mais altas mas permite o uso de créditos fiscais).
É curioso chamar isso de simplificação porque é mais fácil calcular o imposto no regime cumulativo do que no não cumulativo, que desde sempre opõe empresas e Receita Federal em relação às despesas que podem ou não ser abatidas da base de cálculo do imposto.
Para especialistas, no entanto, um regime não cumulativo – desde que bem formulado – é a melhor opção, pois cobra imposto apenas sobre o valor que a empresa agregou a um bem ou serviço. E a promessa do governo é de ampliar o direito a créditos.
“Do ponto de vista da qualidade do sistema tributário, o caminho é o correto. A cumulatividade é nociva à competitividade”, diz Ferreira, da CNC. “Há estudos que evidenciam um diferencial de preços da ordem de 10% entre produtos feitos no Brasil e em países concorrentes apenas pelo efeito da cumulatividade tributária.”
Carga de tributos sobre serviços vai subir
O governo sustenta que a unificação de PIS e Cofins no regime não cumulativo, permitindo às empresas usar mais créditos fiscais, não vai alterar a carga tributária nacional. Mas, para se chegar a essa “neutralidade”, alguns setores vão ganhar e outros, perder.
A mudança pode aliviar um pouco a carga da indústria e de parte do comércio. Mas tende a aumentar o peso dos impostos no setor de serviços, que têm poucos créditos a abater.
Segundo estimativa divulgada em 2015 por Gilberto Amaral, coordenador de estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), a reforma vai elevar arrecadação federal em R$ 50 bilhões, afetando 1,5 milhão de empresas e pondo em risco 2 milhões de empregos.
“Se o governo quer fazer a reforma via medida provisória, é porque vem aumento de carga aí”, diz Sérgio Approbato Machado Júnior, diretor da Fenacon, que representa empresas de serviços contábeis. “É um absurdo, ainda mais neste momento. Os custos estão subindo, as empresa estão perdendo clientes.”
Para o presidente do IBPT, João Eloi Olenike, a unificação dos regimes do PIS/Cofins só é aceitável se o setor de serviços puder abater, da base de cálculo, todos os gastos, incluindo a folha de pagamento. “Se não houver crédito irrestrito, não dá para aceitar essa mudança”, diz.
Simplificar ou aumentar?
O governo diz que quer simplificar o PIS e a Cofins. As empresas desconfiam: na última vez que mexeu nesses tributos, o Planalto aumentou a carga tributária.
O que são
PIS e Cofins são contribuições cobradas sobre o faturamento das empresas. Os dois tributos são destinados ao financiamento da Seguridade Social (Assistência Social, Saúde e Seguridade).
Como é feito o cálculo
Até 2002
Ambos eram cumulativos, ou seja, incidiam sobre toda a receita operacional das empresas, com alíquotas de 0,65% (PIS) e 3% (Cofins).
2002
O governo criou o PIS não cumulativo, que permite o uso de créditos tributários. A alíquota é maior (1,65%), mas é cobrada sobre uma base de cálculo menor, pois a empresa pode descontar dessa base algumas despesas, como aluguel de prédios e equipamentos, energia e insumos.
2004
Entrou em vigor a Confins não cumulativa, com alíquota de 7,6%.
O que é mais vantajoso para cada empresa?
As que compram muitos insumos em geral optam pelo PIS e Cofins não cumulativos, pois podem abater créditos tributários. É o caso da indústria, em que os insumos representam em média 42,3% do preço final.
Quem tem poucos créditos tributários costuma optar pelo PIS e Cofins cumulativos. É o caso do setor de serviços, em que os insumos que geram crédito fiscal equivalem a apenas 12,3% do preço final.
O que pode mudar?
O governo quer acabar com a modalidade cumulativa. As empresas teriam de obrigatoriamente recolher PIS e Cofins não cumulativos. Ou seja, pagando as alíquotas mais altas, mas apenas sobre o valor agregado.
A ideia do governo é começar a mudança pelo PIS, observar os resultados e depois aplicar a nova regra também para a Cofins.
Para a indústria, que já está no regime não cumulativo, nada muda. Se o governo ampliar o direito a créditos, a carga tributária do setor pode até cair um pouco.
Por outro lado, prestadoras de serviços tendem a sofrer um aumento de carga tributária.