A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) poderá definir uma questão que atinge importantes setores da economia. Está nas mãos do ministro Francisco Falcão um recurso da Fazenda Nacional para pacificar o entendimento sobre o direito de empresa tributada no regime monofásico a créditos de PIS e Cofins sobre gastos com frete.
A questão foi levada à 1ª Seção por meio de embargos de divergência contra decisão favorável à concessionária Bigger Caminhões, do Paraná. O ministro decidirá se aceita ou não o recurso — usado quando há discordância entre a 1ª e a 2ª Turma.
Além do segmento automotivo, estão no regime monofásico companhias dos setores de combustíveis, pneus, cosméticos, bebidas, tratores e medicamentos. Nesse regime especial, a cobrança do PIS e da Cofins é concentrada no primeiro elo da cadeia produtiva — o fabricante ou importador.
O assunto discutido no recurso apresentado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) é complexo por envolver duas teses. Uma delas refere-se ao direito a créditos de PIS e Cofins sobre o transporte de mercadorias do fabricante ao revendedor. A outra trata da possibilidade de estender esse direito às empresas tributadas pelo regime monofásico.
A 1ª Seção do STJ já decidiu que concessionárias de automóveis podem descontar créditos relativos a frete do cálculo do PIS e da Cofins (REsp 1215773). O entendimento, inclusive, foi aplicado pela 1ª Turma no caso da Bigger Caminhões (REsp 1477320).
Contudo, nos embargos de divergência, a PGFN argumenta que a decisão da 1ª Seção não foi unânime. Alega que, de acordo com o voto do ministro Gurgel de Faria, como concessionária é tributada pelo regime monofásico, não teria direito ao aproveitamento de créditos de PIS e Cofins. Isso seria válido apenas para o regime da não cumulatividade.
No recurso, a procuradoria alega ainda que a 2ª Turma entende de forma diferente. Ao analisar o caso da concessionária gaúcha San Marino Veículos, em 2014, os ministros decidiram que contribuinte no regime monofásico não pode usar créditos sobre frete (REsp 1215773).
A Lei nº 10.833, de 2003, permite expressamente o uso de créditos de PIS e Cofins sobre frete em operação de venda para cliente final. Mas não fala do chamado frete interno ou de logística, para locomoção de produtos a um centro de distribuição, por exemplo. “A Receita diz que não há direito a créditos nesses casos”, diz o advogado Luis Augusto Gomes, do Viseu Advogados.
Porém, Gomes afirma que a PGFN apresentou decisões muito antigas do STJ contra o aproveitamento de créditos por empresas tributadas no regime monofásico, nos embargos de divergência. “A tendência é o STJ manifestar que as decisões divergentes apresentadas pela procuradoria não tratam da mesma matéria”, diz.
Para o advogado, a decisão “será importante tanto para as empresas no regime monofásico como para as que têm gastos com frete na logística interna”.
O advogado Geraldo Valentim, do MVA Advogados, acompanha pelo escritório alguns casos parecidos com o da Bigger Caminhões. Em seu entendimento, como o recurso analisado pela 1ª Seção do STJ não foi tratado como repetitivo, o tema pode ser novamente analisado. Mas diz haver vários fundamentos para ser mantido o entendimento favorável às empresas. “O regime monofásico não é incompatível com a não cumulatividade.”
Valentim ainda destaca que o ministro Sergio Kukina, em seu voto, posicionou-se a favor da Bigger. Levou em consideração decisão da própria Corte, no recurso repetitivo que definiu as características de insumo (REsp 1221170) . Segundo a decisão, o que é “essencial” ou “relevante” para a atividade de uma empresa é insumo e gera créditos.
A advogada Glaucia Lauletta, do Mattos Filho Advogados, também relaciona a discussão da Bigger à decisão do STJ sobre o conceito de insumo. Ela diz que toda grande varejista tem que arcar com o frete do transporte da mercadoria do centro de distribuição para as lojas, o que é essencial para o negócio. “Por isso, independentemente de estar na tributação geral ou no regime monofásico, a lei autoriza o aproveitamento desses créditos”, afirma.
Representante da Bigger no processo, Isabele Françóia, do escritório Harry Françóia & Advogados Associados, lembra que obteve decisão favorável à concessionária Ponto K no STJ (REsp 1679897), que não foi contestada e contra a qual não cabe mais recurso. Por isso, achou que a PGFN não recorreria da decisão no caso da concessionária de caminhões.
“Manteremos a tese de que a Lei nº 10.833 permite o uso dos créditos de PIS e Cofins. Assim como quatro decisões do STJ já permitiram o uso do incentivo da Lei do Reporto (nº 11.033, de 2004) por empresas no regime monofásico. Um desses processos poderá também ser analisado pela 1ª Seção [REsp nº 1051634]”, diz a advogada.
Por nota, a PGFN afirma que o tema está na 1ª Seção também por afetação dos ministros da 2ª Turma. Diz ainda que em qualquer setor cuja tributação seja monofásica é inviável o “creditamento do frete”. E conclui que reconhecer esse crédito equivaleria a instituir benefício fiscal sem lei específica, “o que contraria o Código Tributário Nacional e a Constituição Federal.