O Plenário virtual do Supremo Tribunal Federal – STF formou maioria para considerar inconstitucional o uso da tese de "legítima defesa da honra" em casos de feminicídio e violência contra a mulher. Apesar de o julgamento só ser concluído às 23h59 desta sexta-feira (12), o placar está em seis votos a zero pela inconstitucionalidade.
O debate ocorre na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 779, aberta pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT em janeiro, pedindo uma interpretação constitucional a trechos do Código de Processo Penal – CPP, para que se afirme que tais permissivos legais à legítima defesa enquanto excludente de ilicitude penal (e civil) não possuem, em seu âmbito de proteção (seu suporte fático), uma autorização para assassinar pessoa que comete (ou foi acusada de) adultério, à luz da “nefasta, horrenda e anacrônica tese de lesa-humanidade da legítima defesa da honra”.
Em seu voto, o relator, ministro Dias Toffoli, manteve uma cautelar aplicada por ele em 26 de fevereiro deste ano. "'Legítima defesa da honra' não é, tecnicamente, legítima defesa", escreveu. "Tanto é assim que tem sido mais frequentemente utilizada no contexto do tribunal do júri, no qual, em virtude da plenitude da defesa, admite-se a utilização de argumentos jurídicos e extrajurídicos."
Para o ministro, a tese é inconstitucional por violar os princípios da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. Por isso, deve ser excluída do instituto da legítima defesa, e o uso de tal ideia deve ser obstado a qualquer uma das partes envolvidas no processo, sob risco de torná-lo nulo, de acordo com o voto de Toffoli.
Até o momento, os ministros Marco Aurélio Mello, Alexandre de Moraes e Rosa Weber acompanharam integralmente o relator. Os ministros Gilmar Mendes e Edson Fachin acompanharam com ressalvas o voto de Toffoli. Acesse o site do STF e saiba mais sobre a ADPF 779.
Naturalização do feminicídio
"A soberania dos veredictos do júri não lhes permite proferir decisões arbitrárias e violadoras de direitos fundamentais, mas apenas decisões coerentes com as provas dos autos e com o Direito em vigor, consoante jurisprudência torrencial do STF", defendeu o advogado Paulo Iotti, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, em entrevista recente sobre o tema. Ele protocolou a ação do PDT.
De acordo com o especialista, a "nefasta e anacrônica" tese de lesa-humanidade da legítima defesa da honra naturaliza o feminicídio e abre perigosa margem para que júris absolvam homicidas motivados por ódio e preconceitos sociais. Segundo ele, o argumento também já fora utilizado para "justificar" assassinatos homotransfóbicos.
"Não há nenhum prejuízo ao direito de plenitude de defesa na proibição do uso de teses manifestamente inconstitucionais, porque são de lesa-humanidade. É incoerente as pessoas falarem que acham a tese deplorável e inaceitável, mas dizerem que o júri poderia absolver homicidas por ela: isso implica concordância com a constitucionalidade dessa tese, com o que não se pode concordar de forma nenhuma", explica o advogado.