STF deve retomar votação sobre uniões estáveis simultâneas

Fonte: IBDFAM
10/12/2020
Direito de Família

O Supremo Tribunal de Justiça – STF agendou para sexta-feira (11) o julgamento do Recurso Extraordinário 1.045.273/SE, que discute se duas pessoas que tinham relacionamento estável simultâneo com um mesmo homem, já falecido, devem dividir a pensão por morte paga pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS. A última audiência sobre o caso foi interrompida por um pedido de vista do até então presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, em setembro de 2019, quando o placar estava em 5 a 3 votos a favor da divisão da pensão.

O caso concreto diz respeito a um homem que, ao menos por doze anos, manteve dois relacionamentos estáveis em simultâneo: um com uma mulher e outro com um homem. Após a morte dele, a mulher conseguiu o reconhecimento da união estável e passou a receber a pensão por morte. O segundo companheiro passou então a pleitear na Justiça a divisão do benefício, alegando que também tinha união estável paralela com o falecido. O caso tem caráter de repercussão geral e seu desfecho servirá de parâmetro para todos os outros processos do tipo.

No julgamento, os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso votaram pelo provimento, enquanto Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski disseram que não seria possível reconhecer uma segunda união estável. Consta na pauta do STF outro processo similar, o REx 883.168/SC, no qual o Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM atua como amicus curiae, ainda sem data para ser apreciado.

Espaço de “não direito”

A advogada Luciana Brasileiro, autora do livro “Famílias Simultâneas e o seu Regime Jurídico” e vice-presidente da Comissão de Direito de Família e Arte do IBDFAM, destaca que o tema está na ordem do dia por ser uma questão que de fato existe, mas que ainda faz parte, culturalmente, de um espaço de “não direito”.

“A afirmação da monogamia como princípio jurídico tem sido utilizada para todos os tipos familiares conjugais, ignorando as diferenças e vicissitudes de cada uma delas. O STF está prestes a julgar um problema histórico, tendo a chance de afirmar, mais uma vez, que entende a dignidade da pessoa humana como vetor da mais larga importância nas relações familiares, alçando todas e todos a um espaço de respeito e pondo fim, de uma vez por todas, à exclusão de dependentes do acesso ao benefício previdenciário”, afirma.

Por isso, ela acredita que o provimento deverá ser aprovado. “O STF deverá fazê-lo, reconhecendo que, no caso, há relações de família nas duas circunstâncias, pois as duas configurações preenchem os requisitos de estabilidade, ostensibilidade e afetividade”, diz.

Pontos de relevância

A advogada aponta que o tema diz respeito ao reconhecimento de direitos previdenciários para famílias simultâneas. Contudo, neste caso, a configuração é de duas uniões estáveis, e não existe nenhuma vedação legal à coexistência de uniões estáveis, muito menos para efeitos previdenciários, para os quais o norte será o da dependência econômica.

“O que precisa ser observado com rigor pelo STF é o fato do artigo 226 da Constituição Federal autorizar interpretação inclusiva, como fez ao julgar a existência de entidades familiares homoafetivas e a necessidade de atribuir responsabilidade e solidariedade nas relações de família”, assinala.

Segundo a especialista, se o STF reconhecer as famílias simultâneas, finalmente o Brasil dará fim ao preconceito com relações familiares que se constituem, como quaisquer outras, porém sem observar o dado cultural da monogamia, propriamente dita.

“Esta questão, no entanto, precisa ser encarada pelo viés da solidariedade e sobretudo, do tratamento digno a todas as pessoas que fazem parte dos espaços familiares, como assegura o art. 226, § 8º da Constituição”, diz.

Discriminação das famílias

Luciana Brasileiro enfatiza que o preconceito com as famílias simultâneas também está ligado à discriminação por gênero: as mulheres estão permanentemente estigmatizadas nos julgamentos que as colocam na condição de “amante”, “a outra”. “São elas que não têm seus direitos assegurados nas demandas processuais, seja de ordem previdenciárias, seja de ordem familiar, ou ainda sucessória”, declara.

Por fim, a advogada destaca que a Constituição Federal alçou o nosso direito familiar a um dos mais modernos do mundo. Ela permite uma interpretação inclusiva para o reconhecimento da simultaneidade familiar, ainda que, no caso em julgamento, não exista vedação legal.

“Penso que não seria necessária uma lei para afirmar o que já existe. Contudo, importante que haja políticas afirmativas para assegurar o tratamento digno de todas as pessoas que ocupam espaços em suas famílias, sem qualquer discriminação”, conclui.

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