Trabalhadores de áreas insalubres (com risco à saúde) têm o direito de utilizar períodos de afastamentos por doenças, mesmo aquelas sem relação com a profissão, como tempo especial para antecipar a aposentadoria do INSS.
A posição favorável aos segurados da Previdência foi consolidada pelo STF (Supremo Tribunal Federal) nesta segunda-feira (26), quando o plenário virtual rejeitou um recurso do INSS que contestava o julgamento realizado pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) em 2019.
A partir de agora, juízes de todas as instâncias devem considerar a orientação do STJ: se um trabalhador passou a receber um benefício por incapacidade enquanto exercia uma atividade reconhecida como especial, o tempo em que ele recebeu o auxílio-doença também será contado como especial.
Com a conclusão do caso, sem possibilidade de recurso, também devem voltar a andar na Justiça os processos sobre o tema que haviam sido suspensos em 2018, segundo a presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), Adriane Bramante.
“É uma questão que o INSS não reconhece, obrigando o segurado a recorrer à Justiça”, diz Bramante. “Isso não quer dizer que a partir de agora o INSS vai passar a reconhecer o direito, mas que o segurado, após ter o pedido negado pelo órgão, poderá procurar a Justiça, onde deve prevalecer a posição do STJ.”
A discussão judicial surgiu porque há dois tipos de auxílio-doença: o previdenciário e o acidentário. O primeiro é voltado para os casos em que a incapacidade para o trabalho não tem relação direta com a atividade profissional. O outro é exclusivamente destinado às incapacidades provocadas pela ocupação, como os casos de lesões causadas por acidentes de trabalho.
O INSS reconhece que o auxílio-doença acidentário dá direito à contagem especial para a aposentadoria, mas não aplica isso para o auxílio-doença previdenciário.
“Ao decidir que o auxílio-doença previdenciário também pode ser contado como tempo especial, a Justiça irá antecipar a aposentadoria de muitos trabalhadores”, afirma a coordenadora-adjunta do IBDP Priscila Arraes Reino.
Efeitos antes e depois da reforma
Os efeitos práticos da posição que passa a valer no Judiciário são claramente benéficos aos segurados cujo período de afastamento ocorreu até 12 de novembro de 2019, data da promulgação da reforma da Previdência.
Pela regra anterior à reforma, a maioria das atividades especiais por exposição a agentes insalubres (ruído, produtos químicos, calor, entre outros) permitia que o tempo trabalhado fosse aumentado em 20%, para mulheres, e em 40%, para homens.
Essa contagem permitia a aposentadoria com 25 anos de atividade especial, quando o benefício comum por tempo de contribuição poderia ser concedido apenas a mulheres e homens que completassem, respectivamente, 30 e 35 anos de trabalho formal.
A aposentadoria especial também tinha a vantagem de ser integral, ou seja, o valor inicial do benefício era igual à média dos 80% maiores salários recebidos pelo trabalhador desde julho de 1994.
Também conforme a regra antiga, quem não conseguisse a aposentadoria especial, poderia converter o tempo especial em comum para antecipar a aposentadoria em alguns anos.
A reforma da Previdência mudou algumas dessas regras. Para antecipar a aposentadoria, na maior parte dos casos, o INSS passou a requerer 25 anos de atividade especial e também que a soma da idade ao tempo de contribuição resulte em, pelo menos, 86 pontos (cada ano de vida ou de trabalho equivale a um ponto). O benefício ainda deixou de ser integral.
O texto da reforma aprovado pelo Congresso ainda acabou com a possibilidade de conversão de tempo especial em comum, inviabilizando a antecipação de aposentadorias de trabalhadores que não atingirem o tempo de trabalho e a pontuação necessários para ter o benefício especial.
“É possível que o julgamento traga vantagens para beneficiários com afastamentos ocorridos após a reforma, mas serão casos que dependerão de uma análise cuidadosa do segurado e de seu advogado”, comenta Bramante.
Para afastamentos por doença ocorridos a partir de 1º de julho de 2020, a decisão do STJ confirmada pelo STF nesta segunda não deverá produzir efeitos, avalia a advogada.
“A partir de julho, com a publicação do decreto que regulamentou a reforma da Previdência, o governo acabou com a possibilidade de contagem especial dos períodos de afastamento por incapacidade, seja acidentário ou previdenciário”, diz.