Com o veto do presidente Jair Bolsonaro à CPMF, o ministro Paulo Guedes (Economia) orientou sua equipe a estudar uma reforma tributária que corte privilégios.
O discurso, estratégico, já foi testado pelo governo na reforma da Previdência, que avançou e está em fase final de tramitação no Congresso.
Guedes quer dar ênfase à revisão da tributação sobre os mais ricos depois que o imposto sobre pagamentos foi atacado por se aplicar até mesmo a saques e depósitos em dinheiro.
O Ministério da Economia temia reação popular à reforma justamente porque as mudanças propostas atingiriam a todos, de estudantes a grandes empresários.
O discurso ressalta agora aquela que já era uma das diretrizes da reforma, que é a ampliação da base tributária sobre as altas rendas.
Entre os instrumentos analisados estão a tributação de dividendos, o limite de isenção para moléstia grave, a redução de descontos e a revisão sobre aplicações financeiras.
Estudos da Receita Federal apontam que os contribuintes do topo da pirâmide pagam hoje menos impostos proporcionalmente do que as classes mais baixas, principalmente pelos benefícios previstos em aplicações financeiras (como dividendos e fundos exclusivos de investimento).
O titular da pasta quer simplificar e desburocratizar o sistema tributário e defende que “todos paguem” impostos para que “todos paguem menos”.
A demissão do secretário especial Marcos Cintra (Receita Federal) e o pedido de Bolsonaro para banir a nova CPMF da proposta não fez Guedes desistir definitivamente do novo imposto.
Recentemente, a estratégia do ministro passou a ser mencionar alíquota menor para o tributo enquanto defendia que um percentual pequeno não machucaria os contribuintes.
A equipe econômica ainda estudava a diminuição de alíquotas de Imposto de Renda para pessoas físicas e uma isenção no pagamento da nova CPMF para os mais pobres em meio à determinação de Bolsonaro de que a nova contribuição teria de ter uma contrapartida para a população.
Mesmo assim, a demissão de Cintra e a reação à ideia da nova CPMF forçaram agora a equipe econômica a voltar às contas e repensar a proposta.
Não está claro ainda para membros do ministério se será possível criar um plano B que seja equivalente à CPMF.
Nas contas de Guedes, o tributo geraria R$ 150 bilhões por ano e ajudaria a aliviar a tributação sobre folha de salários das empresas, considerada por ele nociva para a geração de empregos.
Membros da equipe econômica afirmam que propostas de tributação sobre grandes fortunas e heranças não gerariam essa potência fiscal.
Eventual ampliação de alíquotas de um imposto único sobre consumo para substituir a CPMF também seria inviável porque exigiria uma cobrança muito elevada.
A tributação de 20% sobre dividendos, por exemplo, poderia gerar uma arrecadação de R$ 24 bilhões em 2020 —16% do estimado com a CPMF. O cálculo foi feito pela Receita e chegou às mãos de Guedes.
Mudanças na tributação sobre fundos exclusivos, já tentadas em governos anteriores e consideradas pela atual equipe, alcançariam R$ 10 bilhões em um ano —6% de uma nova CPMF.
Aloísio Araújo, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas, vem participando de reuniões com Guedes sobre reforma e defende o plano de desoneração da folha. “O imposto sobre a folha é muito ruim e causa muitas distorções”, afirma.
Para ele, o ideal é aumentar o IR principalmente sobre aplicações financeiras e cortar pela metade as contribuições pagas pelas empresas para o Sistema S.
Araújo também defende que a carga tributária seja simplesmente reduzida com a desoneração da folha enquanto a economia se recupera e naturalmente gera mais arrecadação nos anos seguintes.
A mensagem clara de Bolsonaro contra uma nova CPMF também desarranjou planos de Guedes para outras áreas. A arrecadação da nova CPMF poderia ser usada para bancar a etapa inicial da nova rodada de reforma trabalhista.
Auxiliares do ministro afirmam que o descarte do imposto sobre pagamentos pode atrasar a implementação do programa Emprego Verde e Amarelo, que caminharia com a reforma tributária.
Guedes ainda avalia quem assumirá o comando da Receita. Embora esteja participando das reuniões sobre reforma tributária, o secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, não é, até o momento, um nome colocado.
Em razão da condução da reforma da Previdência, Marinho deve cumprir papel de articulador das novas reformas.
Segundo auxiliares de Guedes, o ministro tem grande admiração por Vanessa Canado, advogada do C.CiF (Centro de Cidadania Fiscal).
Ela compõe o grupo que elaborou um dos projetos de reforma tributária que tramitam no Congresso, mas alguns membros afirmam ser prematuro considerá-la na Receita.
Canado esteve em ao menos três reuniões com Guedes desde agosto. O último encontro foi nesta segunda-feira (9), em reunião que teve a participação de Cintra.
Embora integrantes da Receita temam que a saída de Cintra acelere trocas na cúpula após apurações feitas por auditores recentemente que envolveram autoridades, o sindicato de auditores-fiscais aprovou a saída do secretário.