Os telefones dos escritórios e grupos de Whatsapp de advogados não pararam mais desde que, há algumas semanas, se espalhou pelo país a notícia de que o Supremo Tribunal Federal (STF) pode julgar a ação bilionária que pede o direito de revisão dos rendimentos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) a todos trabalhadores que algum dia tiveram dinheiro lá.
As conversas vão da avalanche de novas pessoas querendo ter a própria ação até ofertas ostensivas para atrair clientes para a bolada da década. O julgamento, que chegou a ser agendado para maio, foi novamente adiado pelo STF, sem nova data definida, mas segue no radar de todos.
A ação na mesa da Corte pede a alteração dos juros que desde 1999 corrigem o FGTS e que, historicamente, ficaram abaixo da inflação, implicando em duas décadas de perdas para o poder de compra do dinheiro guardado.
É um tema que atinge um universo estimado em pelo menos 60 milhões de pessoas: todas que trabalharam com carteira assinada alguma vez e que, portanto, têm ou já tiveram algum recurso no FGTS nesse período. A fatura pode custar mais de R$ 290 bilhões para os cofres públicos, nos cálculos do governo, caso o STF decida que a diferença dos valores pagos abaixo da inflação no passado tem que ser devolvida.
A expectativa de muitos especialistas é que, dado o histórico de outras decisões do STF, a Casa decida modular a questão, ou seja, limitar seu alcance no tempo, permitindo a revisão retroativa dos valores apenas para quem já tivesse ação aberta antes da data da decisão.
É por isso que a recomendação geral foi para que os interessados abram o seu processo ou entrem em uma ação coletiva antes de o tema ganhar a decisão definitiva do STF, e foi também o que causou a correria aos escritórios. Como o Supremo adiou o julgamento, os trabalhadores ganharam também mais tempo nessa urgência.
Advogados alertam, porém, que não se trata de uma ação de causa ganha garantida e que, por essa razão, ela também não é completamente livre de riscos. Em algumas situações, caso o STF decida de maneira desfavorável aos trabalhadores, a pessoa pode perder a ação e ter que arcar com custos do processo que podem ser altos depois. Alguns apontam também para a possibilidade de que ações coletivas acabem desconsideradas, pela natureza individual de cada revisão a ser feita.
“O mais seguro é ingressar com a ação, sabendo que há a possibilidade de ter gastos de sucumbência e custas depois”, disse Abílio Osmar Santos, sócio da Bruno Freire Advogados. “O maior risco é o STF decidir em benefício dos trabalhadores, a pessoa não ter ingressado com a demanda e só aqueles que tiverem feito o pedido antes terem direito ao benefício.”
Já a Defensoria Pública da União (DPU), atenta à avalanche de processos que foi gerada, tem reforçado que não é necessário o trabalhador entrar com uma ação nova: a entidade já ajuizou em 2014 uma ação civil pública sobre o tema que, no caso de a decisão do STF reconheça o direito à revisão, terá validade para todos.
O que está em jogo
O FGTS tem uma remuneração fixa de 3% ao ano acrescida da Taxa Referencial (TR), uma taxa de juros fixada pelo Banco Central e que, desde 1999, quando teve sua metodologia mudada, ficou abaixo de outras taxas e indicadores, incluindo a inflação. Isso significa que o dinheiro aplicado no fundo de garantia foi perdendo poder de compra ao longo do tempo.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5.090/2014) contesta a remuneração feita pela TR e pede que ela seja alterada, e é essa petição que aguarda a apreciação do STF.
O julgamento já foi adiado algumas vezes, a mais recente delas no início de maio, sem nova data definida. O que o STF decidir valerá para todas as ações em andamento na Justiça sobre o tema.
Em que situações ganho ou perco
O STF pode decidir de diversas maneiras diferentes. Em desfavor dos trabalhadores, ele pode simplesmente entender que o uso da TR é correto e deve ser mantido. Nesse caso tudo fica como está e ninguém ganha nada. As ações já abertas sobre o assunto deverão ser consideradas improcedentes.
A favor, seria o entendimento de que a taxa de correção atual de fato é inconstitucional e deve ser trocada. Abrem-se, então, dois caminhos: o STF pode determinar que apenas as correções dali em diante passem a ser feitas por um novo índice, ou então que os depósitos do passado tenham que ser revistos também, desde 1999.
Caso siga pela última opção, o Supremo pode modular a decisão, isto é, limitar o seu alcance, de maneira que só quem já tenha com alguma ação ajuizada até o dia da decisão consiga o direito à revisão dos valores do passado.
É difícil saber para que lado vai o desfecho: o próprio STF já rejeitou outras vezes o uso da TR como indexador, caso do julgamento do ano passado em que decidiu pela troca dela por uma correção mais vantajosa nas dívidas trabalhistas.
Por outro lado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia julgado o mesmo caso dos baixos rendimentos do FGTS antes, em 2018, e entendeu que é correto como está e não deve ser mudado.
“Entrar com uma ação hoje é fazer uma aposta de que o STF vai decidir a favor [do trabalhador], mas não se sabe se isso vai acontecer, e nem em qual medida”, diz o advogado Ricardo Calcini, coordenador trabalhista da editora Mizuno e professor de pós-graduação das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU).
Risco de perder dinheiro
O principal risco, de acordo com os advogados, é que o STF decida de maneira desfavorável, entendendo que a remuneração atual do FGTS é correta e não deve ser mudada, e a pessoa acabe perdendo a ação que abriu, o que implica em poder ter que tirar dinheiro do bolso para arcar com as despesas do processo.
Essas despesas incluem as custas processuais, que são os gastos gerados pelo uso dos serviços do judiciário, e as sucumbências, que são os honorários dos advogados da parte adversária. Elas devem ser pagas por quem perde a ação, a não ser que a pessoa tenha conseguido o benefício da justiça gratuita, que a abona de todos os custos em qualquer situação.
De acordo com Santos, da Bruno Freire Advogados, as custas processuais são de 2% do valor da ação e os honorários de sucumbência costumam ficar em torno de 5% a 15% do valor pedido.
Em um processo que calcule, por exemplo, que a revisão do FGTS deveria render R$ 10 mil para o trabalhador, seriam R$ 200 a serem desembolsados em custas e de R$ 500 a R$ 1.500 em honorários caso ele perca e não tenha conseguido o direito à gratuidade.