A terapeuta ocupacional Ana Carolina Chagas, de 28 anos, tem renda mensal de R$ 3 mil. Na semana passada, comprou 14 itens num supermercado, na região central da capital paulista, entre eles requeijão, café, ovos, cenoura, amaciante de roupas e água sanitária. Gastou R$ 93,45 e, segundo dado do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) impresso na nota fiscal, pagou R$ 15,40 em impostos federais e estaduais embutidos nos preços dos produtos.
— Nessa compra, o valor da tributação daria para levar um quilo de carne ou um pacote de café. Pagamos um valor muito alto de impostos — reage Ana Carolina ao observar a descrição dos impostos.
O sistema tributário brasileiro está na contramão da maioria dos países e ainda não há indicação de que a reforma que começa a ser discutida em Brasília será capaz de alterar esse rumo. Aqui, a maior parte dos impostos incide sobre o consumo e não sobre a renda ou patrimônio. Isso acaba se refletindo no preço das mercadorias. Como as pessoas com menos renda tendem a gastar a maior parte de seus recursos com consumo, a tributação fica mais pesada para quem ganha menos. Os especialistas chamam isso de tributação regressiva.
Os impostos pagos por Ana Carolina só nessa compra equivalem a 0,5% de sua renda. Já para a autônoma Agnes da Silva, de 48 anos, que tem renda mensal de R$ 12 mil como consultora de empresas, os mesmos R$ 15,40 representariam apenas 0,12% dos seus ganhos. Mesmo assim, ela também reclama da alta carga de impostos indiretos que incidem em suas compras.
Embora tornem o sistema mais simples, as propostas de reforma tributária que tramitam no Senado e na Câmara não devem alterar essa realidade, afirmam especialistas consultados pelo GLOBO. Elas têm como objetivo simplificar a cadeia de impostos que incidem sobre o consumo para, segundo seus próprios autores, melhorar a produtividade da economia. Mas nenhuma proposta apresentada até agora reduz a quantidade de impostos nos preços dos produtos e serviços.
— A proposta de emenda constitucional (PEC) que está na Câmara trata da tributação sobre o consumo, que é regressiva. Mas sua função não é resolver questões distributivas, mas sim destravar o crescimento do país — diz o economista Bernard Appy, idealizador da projeto que foi apresentado na Casa pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP).
Simplificação
Mesmo assim, Appy avalia que os 10% mais pobres serão beneficiados pelas mudanças em discussão porque a proposta reduzirá a cobrança de impostos em todas as etapas de produção de uma mercadoria, o que é conhecido como cumulatividade. Ao reduzir esse efeito, Appy aposta que os mais pobres terão um corte equivalente a cinco pontos percentuais no volume de impostos pago atualmente.
No Senado, a proposta em análise é baseada em estudos do ex-deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB). Junta tributos num único Imposto sobre Valor Agregado (semelhante ao plano de Appy), mas com exceções setoriais. Também tem foco na simplificação do sistema. Hauly defende que seu projeto reduz a regressividade:
— Vamos devolver os impostos pagos pelos mais pobres na cesta básica. E quando simplificamos, acabamos com 70% das renúncias fiscais. Não dá para mudar tudo da noite para o dia, mas se começa a reduzir a carga total para todo mundo.
A equipe econômica do governo Jair Bolsonaro defende a unificação apenas dos tributos da União sobre consumo. A entrada de estados e municípios seria facultativa. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também fala em mudanças no Imposto de Renda, mas ainda não existe uma proposta oficial. Procurado, o ministério não quis falar sobre a proposta em elaboração.
Especialistas concordam que as propostas em tramitação no Congresso simplificam o sistema, mas ponderam que o Brasil precisa de uma arrecadação semelhante à de países mais desenvolvidos, onde a maior carga recai sobre renda e patrimônio. Seria uma forma de tornar o sistema progressivo: paga mais imposto quem ganha mais.
— Dos R$ 2,3 trilhões arrecadados com impostos no país, 70% vem do consumo, 25% da renda e 5% do patrimônio. E isso não muda com as propostas (de reforma) — diz João Eloi Olenike, presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
Desigualdade
Para Katia Maia, diretora-executiva da Oxfam Brasil, ONG que se dedica a temas de desigualdade, quem tem renda menor paga proporcionalmente mais impostos.
— Isso se dá especialmente quando se trata de impostos indiretos — explica.
Segundo ela, a regressividade do sistema brasileiro contribui para a desigualdade de renda no país. De 31 países avaliados em estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é o que menos tributa renda e patrimônio como proporção da Carga Tributária Bruta (CTB). Por aqui, essa tributação equivale a 22% da CTB.
Nos demais países da OCDE, que reúne economias desenvolvidas, a média é de 40%. Já a tributação indireta brasileira chega a quase 50%, enquanto a média das nações da OCDE é de 33%.
O advogado Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados, especialista na área tributária, lembra que a carga de impostos sobre o consumo começou a subir nas últimas décadas, particularmente com a elevação significativa do PIS e da Cofins incidente sobre a receita das empresas, que repassaram esses reajustes ao consumidor. A alíquota desses impostos, somados, começou em 0,5% e hoje equivale a 9,5%.