O governo terá dificuldade para aprovar a reforma tributária no Congresso. A ideia de começar as mudanças pela unificação do PIS e da Cofins, conforme revelou o secretário da Receita Federal, desagradou os parlamentares envolvidos diretamente na discussão. Para o presidente da comissão especial que analisa o assunto na Câmara, deputado Hildo Rocha (MDB-MA), a proposta do governo é “muito ruim”, não resolve problemas e pode criar o caos tributário.
Hildo, que segurou a votação no colegiado à espera do Executivo, conta que está decepcionado. Para ele, essa é mais uma demonstração de que o governo não está interessado em promover uma reforma tributária.
“Houve uma frustração geral. O que parece é que o governo está satisfeito com o que está arrecadando porque melhorou sua arrecadação. Ele está muito mais preocupado que o sistema tributário seja uma garantia de arrecadação para ele. Não vê o sistema tributário como indutor da economia brasileira. Ele está arrecadando bem, então deixa pra lá. Não está preocupado em fazer reforma tributária”, disse o deputado ao Congresso em Foco.
A comissão especial deve votar o relatório de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) apenas em 2020. Hildo diz que só pautará a proposta este ano se houver compromisso do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de que o texto será votado ainda em 2019 pelo plenário. “Do contrário, vai acontecer o que ocorreu com todas as outras propostas. Foram aprovadas na comissão e deixadas para o ano seguinte no plenário. Nunca mais foram votadas”.
Em entrevista ao Estadão, o secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, afirmou que o governo deve enviar ao Congresso ainda este ano um projeto de lei de unificação do PIS/Cofins. As demais propostas serão entregues somente ano que vem: a segunda etapa seria uma mudança no IPI. A terceira, a reformulação do Imposto de Renda; e a quarta, a desoneração da folha de salários das empresas.
Rodrigo Maia já disse que a estratégia do governo de começar pela unificação do PIS e da Cofins está fadada ao fracasso. O relator da proposta na Câmara evitou comentar o mérito das mudanças defendidas pelo governo, mas demonstrou insatisfação com o grau de envolvimento do ministro da Economia, Paulo Guedes, com as discussões.
"Nós estamos trabalhando aqui na nossa pauta e o governo não se manifestou até hoje, inclusive o ministro Guedes é outro que está faltando na Comissão. Era pra ser o primeiro a ter vindo e não veio até hoje, porque não tinha uma proposta pra apresentar", ressaltou Aguinaldo Ribeiro.
Veja a íntegra da entrevista de Hildo Rocha ao Congresso em Foco:
Como o senhor avalia a proposta de reforma tributária anunciada pelo governo?
Vi com muita decepção, o governo demorou tanto para apresentar uma proposta de mudança do sistema tributário e veio apresentar o pior que poderia existir, porque é tímida, não resolve o problema, cria muito mais problemas na verdade.
Por quê?
O governo quer juntar o PIS e a Cofins e fazer desses dois um imposto de valor agregado. Devia juntar todos os tributos sobre consumo, não só dois. Além disso, cria por uma modalidade de contribuição, que não é compartilhada entre os entes da federação. E ainda quer tributar os intangíveis. Os intangíveis já estão sendo motivo de briga entre estados e municípios, e agora ainda vem a União querer tributar intangíveis. Cria o caos. A proposta do governo não resolve a insegurança jurídica que existe. Hoje não há investimento por falta de segurança jurídica. As pessoas não querem investir porque vai investir no Brasil hoje se cobra de um jeito. Amanhã o entendimento do fisco é outro, porque a legislação é muito complexa. Não vão querer investir. Vai continuar do mesmo jeito.
A proposta do governo passa no Congresso?
Não sei se passa. Mas a proposta é muito ruim.
O que o envio da proposta do governo muda na comissão especial da reforma tributária?
Não muda nada. Vamos continuar tocando.
Vai ter comissão mista, como defendeu o presidente da Câmara, Rodrigo Maia?
Não tem comissão. Uma PEC só poderia ser analisada por comissão mista se fosse por meio de uma Assembleia Constituinte. Isso não tem amparo nem da Constituição nem do regimento interno.
Há possibilidade de a comissão votar a proposta ainda em 2019?
Estamos esperando o Rodrigo Maia, que é o grande padrinho dessa ideia, para definir a data correta. Não adianta aprovar este ano na comissão e deixar para o ano que vem no plenário. Tem de ser concomitante. Aprova na comissão e vai para o plenário. Deixar a proposta aprovada de um ano para o outro, é só para levar porrada para inviabilizá-la. Se não for pautado no plenário, não vamos aprovar na comissão este ano.
Que risco o senhor vê em aprovar este ano apenas na comissão?
Só vamos aprovar na comissão este ano se houver compromisso de que ela será votada no plenário este ano. Do contrário, vai acontecer o que ocorreu com todas as outras propostas. Foram aprovadas na comissão e deixadas para o ano seguinte no plenário. Nunca mais foram votadas.
O governo quer mesmo uma reforma tributária?
Houve uma frustração geral. O que parece é que o governo está satisfeito com o que está arrecadando porque melhorou sua arrecadação. Ele está muito mais preocupado que o sistema tributário seja uma garantia de arrecadação para ele. Não vê o sistema tributário como indutor da economia brasileira. Ele está arrecadando bem, então deixa pra lá. Não está preocupado em fazer reforma tributária.
E os estados e municípios querem?
Estão muito preocupados, querem que tenha logo, porque estão ali onde a população está mais próxima. A pressão de prefeitos e governadores sobre o Congresso crescerá no ano que vem.
Quais os próximos passos da comissão especial?
Não tem nada marcado. A gente pode até fazer outras audiências. O que estava previsto já ocorreu. Temos ainda três seminários para terminar.
Fatiar a reforma é uma boa estratégia?
Aí não vejo problema. O correto é aprovar primeiro os tributos sobre consumo e depois caminhar para os outros. O problema é que a proposta do governo é muito tímida.