A reforma da Previdência, que fez os brasileiros adiarem a aposentadoria, reduziu o valor das pensões por morte e abriu caminho para reformas estaduais e municipais, completou dois anos no último dia 13. Mas os problemas continuam.
Com o objetivo de diminuir os gastos com a Previdência, a reforma federal atualizou regras e cálculos de benefícios, mas ainda não equacionou a fila de análises nem o déficit.
Para advogados especialistas em direito previdenciário, a pandemia de Covid-19 dificultou a melhora no cenário, mas a falta de debates e estudos de impacto social da reforma gera dúvidas de sua eficácia no futuro.
"A grande discussão era inserir a idade mínima no tempo de contribuição. Tivemos alguns problemas nessa reforma, por exemplo a não criação de regras de transição no cálculo do benefício, o esquecimento da criação do divisor mínimo nas aposentadorias programadas, que está gerando essa polêmica da contribuição única, afirma o advogado Roberto de Carvalho Santos, presidente do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários.
Se, por um lado, a aposentadoria ficou mais distante para boa parte dos brasileiros, que terão que esperar até atingir a idade mínima ou até se encaixar em uma das regras de transição, por outro, quem precisa se aposentar ainda enfrenta uma fila que resiste a diminuir.
De acordo com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), em novembro de 2019, quando a reforma foi aprovada, a fila de análises estava em 2,19 milhões e, em 2021, a quantidade de pedidos à espera de uma resposta do INSS ficou na casa de 1,8 milhão e 1,9 milhão.
Atualmente, a espera tem 1,85 milhão de segurados. Deste total, há 761.022 perícias agendadas para os próximos dias no Brasil, segundo a Subsecretaria da Perícia Médica Federal.
"Pela enxurrada de demanda em razão da reforma, bem como a complexidade das análises, que agora levam em conta muito mais fatores, como direito adquirido pré-reforma, legislação anterior e posterior, há um atraso muito grande nas análises do INSS, diz advogado Átila Abella, cofundador da lawtech Previdenciarista.
"Assim, os benefícios estão demorando muito mais para serem deferidos, e os valores quase sempre são decepcionantes", completa.
Rombo nas contas
Sobre o déficit do RGPS (Regime Geral de Previdência Social), o Ministério do Trabalho e Previdência afirma que, no ano de 2020, o resultado foi de R$ 259,1 bilhões. Em 2019, era de R$ 213,2 bilhões. Ao propor a reforma, o Ministério da Economia projetou economizar R$ 800 bilhões com as novas regras e até R$ 1 trilhão, em uma década.
"Essa reforma foi feita de uma forma muito precipitada. Está tendo uma economia, mas há um passivo de 1,8 milhão de benefícios represados. Qual vai ser o gasto nessa economia? Ainda não sabemos", diz Santos.
"Foi uma economia não tão relevante, pelo prejuízo que teve a sociedade como um todo. A reforma tem que ser pensada em dez anos, 20 anos. Lógico que, com as regras de transição, quanto mais passa o tempo, mais as pessoas não vão conseguir se aposentar por elas, então terão que se aposentar com 62 e 65 anos de idade e teremos uma diminuição maior desse déficit. Mas nesses dois anos, não foi substancial a ponto de compensar gastos fiscais, principalmente para resolver problemas da pandemia", analisa o advogado.
Para a presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), Adriane Bramante, o déficit continua porque houve muita concessão de pensão por morte em razão da pandemia e muito desemprego, com menos arrecadação.
A mudança da concessão da pensão por morte é um dos pontos mais negativos da reforma, segundo os especialistas. "Ela passa a ter quatro redutores: não tem o descarte dos 20% menores salários de contribuição, tem o redutor se o segurado não era aposentado, o redutor do número de dependentes e outro se a pessoa já recebe um benefício do INSS e vai acumular", diz João Badari.
"É um benefício que você não prevê. Você não programa o óbito de ninguém. É muito injusto fazer essa redução de 40% no valor da pensão. Algumas regras precisavam ser modificadas, já outras precisavam ser mantidas por uma questão de justiça social', afirma Santos.
Para o advogado Rômulo Saraiva, as regras de transição prejudicaram parte dos brasileiros que estavam na iminência de se aposentar. "Muitos foram surpreendidos com o aumento de vários anos para atingir a meta de aposentadoria. A reforma terminou fazendo com que o segurado trabalhe mais para receber a mesma coisa ou até menos, se comparado com as regras antigas."
"Uma reforma que foi planejada para 'economizar' R$ 1 trilhão em dez anos não traz pontos positivos para os segurados. Economizar, neste caso, significa dificultar acesso aos benefícios e/ou diminuir valor dos mesmos", diz Abella.
Na visão de proteção social e direitos sociais previdenciários, houve um grande retrocesso. No que tange a requisitos de acesso e cálculos, quase todos são piores do que as regras anteriores à EC 103/2019. São raríssimos os casos em que o cálculo pelas novas regras pode ser mais vantajoso ao segurado", afirma.