O requisito da publicidade na configuração das uniões estáveis homoafetivas deve ser submetido à análise menos rigorosa que nas relações heteroafetivas. Com esse entendimento, a 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu uma união homoafetiva post mortem com regime da comunhão parcial de bens.
A ação foi movida pela filha de um homem que viveu uma relação homoafetiva até ser assassinado em um assalto em 2017. A mulher alegou que o pai comprou um imóvel com o companheiro por meio de financiamento realizado apenas em nome do réu.
Porém, após a morte do pai, o companheiro teria negado à autora a parte que lhe cabia no imóvel. Ela ajuizou a ação de reconhecimento de união homoafetiva post mortem, mas teve o pedido negado em primeira instância. O TJ-SP, por sua vez, acolheu o recurso e reformou a sentença.
No voto, o relator, desembargador Pedro de Alcântara da Silva Leme Filho, afirmou que a aceitação social das relações homoafetivas vem evoluindo, encontrando em julgamentos do STF forte amparo ao reconhecê-las como entidade familiar, assegurando os mesmos direitos em relação à união estável heteroafetiva.
"Contudo, é preciso ter em relevo que as relações homoafetivas ainda hoje sofrem com estigmas e preconceitos, advindos do núcleo familiar e/ou social, o que coloca o requisito da 'publicidade' em perspectiva. Não raro, somando-se a isso, nos deparamos com a negação da existência da união por outras conveniências, vezes outras, patrimoniais", afirmou.
Assim, na visão do magistrado, é preciso menos rigor ao analisar o requisito da publicidade em uniões homoafetivas: "O medo das consequências que a revelação causaria nas relações familiares e sociais pode, muitas vezes, conduzir o relacionamento quase a um segredo total. Em decorrência, a prova da união nem sempre poderá ser feita diretamente, devendo o juiz dar relevo a indícios e presunções".
No caso dos autos, Filho concluiu que as provas que corroboram as alegações da autora são mais convincentes quando analisadas em conjunto. Entre os indícios da união estável entre o pai da autora e o réu, segundo o relator, está o fato de terem morado juntos por mais de 20 anos em três endereços diferentes.
"Esse indício eloquente, subsumido às regras de experiência comum (CPC, artigo 375), apenas seria desprezível frente à robusta prova em contrário, no caso não produzida pelo réu. Por outro lado, o relato da autora é bastante verossímil", acrescentou. A decisão foi por unanimidade.