A Previdência Social completa 99 anos de criação no Brasil nesta segunda-feira (24/1), acumulando uma série de reformas e judicializações. Somente nos últimos 30 anos, a Previdência de servidores públicos e trabalhadores da iniciativa privada passou por pelo menos seis alterações e reformas importantes. A maioria delas acabou questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), onde há pelo menos 14 ações pela inconstitucionalidade da reforma de 2019. Também segue indefinido o julgamento conhecido como ‘revisão da vida toda’.
Trata-se de um dos temas mais aguardados pendentes de decisão da Corte. A revisão da vida toda pode permitir a quem se aposentou depois de 1999 somar ao benefício valores de contribuição ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) do período trabalhado antes de 1994.
O julgamento está empatado em 5 votos a 5. O ministro Alexandre de Moraes pediu vista em junho do ano passado, quando o caso era apreciado no plenário virtual, e até hoje não liberou os autos para julgamento.
Contribuintes aguardam uma definição com ansiedade. É o caso do administrador de empresas Frederico Ruckert, 67 anos. Aposentado há dois anos, ele conta que ficou surpreso ao saber que a contribuição feita ao INSS entre 1972 e 1994 não entraria no cálculo. “Eu sempre tive um bom padrão salarial e a partir de 1997 virei empresário. Para minha surpresa tudo que era anterior a 1994 sumiu”, conta, ressaltando que acabou se aposentando por idade aos 65 anos.
Ele criou o grupo “Lesados pelo INSS Revisão da Vida Toda”, que reúne cerca de 650 pessoas com ações na Justiça cobrando o reajuste de aposentadorias. O grupo enviou um estudo ao STF no qual estima que 220 mil aposentados podem pedir a revisão, embora apenas 10 mil já tenham feito o pedido judicialmente.
Nos cálculos de Ruckert, elaborado por sua defesa, a aposentadoria recebida por ele hoje de pouco mais de um salário-mínimo (R$ 1.212) passaria a ser o teto do INSS (R$ 7.087,22), após salto de 220% a partir da validação de contribuições anteriores a 1994.
Impacto fiscal
O INSS calcula que a inclusão de salários anteriores a 1994 pode impactar o gasto da União com a Previdência em cerca de R$ 46,4 bilhões em dez anos, pressionando ainda mais os gastos primários do governo.
Nos 12 meses encerrados em novembro, último dado oficial do Tesouro Nacional, o déficit da previdência privada e pública foi de R$ 336,6 bilhões (4% do PIB). A ‘revisão da vida toda’ representaria cerca de 13,8% do déficit da previdência em um ano.
Ruckert, do grupo “Lesados pelo INSS Revisão da Vida Toda”, contesta a previsão do órgão federal. Ele contratou estatísticos e matemáticos, que estimam impacto econômico entre R$ 2,7 bilhões e R$ 5,5 bilhões nos gastos federais com Previdência, conforme a mediana do indicador de inflação.
Ele afirma que na média o reajuste médio por aposentadoria será de R$ 107. “Para muitos nesse universo (de 220 mil aposentados), a revisão não compensa”, diz.
Entenda a revisão da vida toda
A reforma da Previdência realizada em 1998, no governo Fernando Henrique Cardoso, definiu que a partir da criação do Real não se deveria computar a contribuição ao INSS com base em salários anteriores à estabilização monetária e inflacionária. A medida foi questionada juridicamente, na primeira instância, em 1999 e está em discussão no STF desde 2020, no RE 1.276.977.
Para o especialista em Direito Previdenciário João Badari, do escritório Aith, Badari e Luchin Sociedade de Advogados, ao fazer essa ressalva às contribuições anteriores, a reforma de 1998 violou a Constituição. Ele defende o princípio da segurança jurídica a quem já havia contribuído para a Previdência antes de 1994, alegando que a regra de transição foi desfavorável aos aposentados.
“O que a gente pede no Supremo é que se observe o princípio constitucional da segurança jurídica, porque jamais uma regra de transição pode ser mais desfavorável que uma permanente”, afirma Badari, que representa o Instituto de Estudos Previdenciários (IEPREV) na ação, que atua como amicus curiae.
Revisão da vida toda não é para todos
A advogada Cristiane Grano Haik, professora de Direito Trabalhista e Previdenciário da FMU, recomenda cautela no debate sobre a ‘revisão da vida toda’. “Não acho que a discussão sobre esse tema tem sido proporcional ao impacto que terá, porque beneficiará poucas pessoas. Está se falando tanto, mas a maioria das pessoas começam contribuindo com o INSS com salário menor que no final das suas carreiras”, observa.
Haik contextualiza que somente após um cálculo feito por um especialista será possível saber se vale apenas pedir a revisão. O recálculo depende de uma provocação judicial por parte do aposentado.
Outros embates no STF
A última reforma, aprovada pelo Congresso Nacional em 2019, aguarda o posicionamento do Supremo em quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade já protocoladas. Mas o número vai subir, depois que a Procuradoria-Geral da República (PGR) enviou mais dez ADIs no final de dezembro.
Nenhuma das ações consta da agenda do STF no primeiro semestre, o que não significa que a Corte não possa puxá-las para o plenário ou mesmo para o plenário virtual.
A única pauta previdenciária prevista para ir ao plenário neste primeiro semestre é a ADI 4.395, no dia 5 de maio. A ação questiona o artigo 1º da Lei 8.540/1992, que determina que os agropecuaristas, fornecedores dos associados da Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), passem a ser contribuintes obrigatórios à Previdência Social.
A Abrafrigo pede ao STF para tornar inconstitucional a cobrança de dívidas com Funrural pelo empregador rural pessoa física e da empresa que adquiriu a dívida no ato de compra de um negócio.
O julgamento também está empatado em 5 a 5, mas em maio de 2020 foi interrompido por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli.