Em tempos de pandemia, pais e mães separados precisam se adaptar, chegando a novos acordos ou resolvendo o impasse diante de um juiz. E, quando isso ocorre, casos parecidos podem ter soluções bem diferentes. Um pai, por exemplo, foi impedido pela Justiça de visitar a filha, porque ela tinha asma e fazia parte do grupo de risco. Outro pai foi autorizado a continuar vendo a criança, tendo até largado o emprego na funerária para diminuir o risco de contágio. E, sem precisar recorrer ao Judiciário, um pai que morava em outra cidade concordou em ficar alguns meses vendo o filho apenas por meio de videochamadas, evitando que a criança viajasse de avião.
O valor da pensão alimentícia também motivou decisões diferentes. Um dentista pediu à Justiça e conseguiu reduzi-la por ter perdido renda. Já outro pai, que exerce a mesma profissão, não teve êxito e foi obrigado a pagar o mesmo valor que desembolsava antes, porque o juiz decidiu que era preciso priorizar os interesses da criança.
Mudanças também ocorreram nas medidas aplicadas aos devedores de pensão. Antes, eram presos. Com a pandemia, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) passou a recomendar a prisão domiciliar. Em junho, ao analisar um caso específico, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu uma decisão suspendendo qualquer tipo de prisão, inclusive em casa. Depois disso, o Congresso aprovou uma lei estabelecendo prisão domiciliar aos devedores.
Os casos resolvidos na Justiça foram levantados pela advogada Raïssa Martins Fanton, especialista da área cível e de sucessões e família do escritório Finocchio & Ustra Advogados. Segundo ela, de modo geral, a Justiça tem determinado a suspensão das visitas durante a pandemia, substituindo-as por meios alternativos, como as videochamadas. Mas há exceções. A advogada aponta dois motivos: as particularidades de cada caso, e o entendimento de cada juiz.
— Preponderantemente é a peculiaridade de cada caso. De outro lado, nem sempre é uma coisa evidente, e algumas decisões conflitantes aparecem. Muitas vezes nos deparamos com casos em que o pai é zeloso, está tomando todos os cuidados, mas ainda assim o juiz nega as visitas — diz Fanton.
Caso a caso
Pode haver divergências em uma mesma corte. Numa decisão em que a 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) suspendeu as visitas, o desembargador Jair de Souza escreveu: “O deslocamento para a realização de visitas de forma presencial não é recomendado, ainda que com todos os cuidados aconselhados pelo Ministério da Saúde, tendo em vista que a menor possui quadro de asma, fato que torna ainda mais preocupante a situação”.
Já a desembargadora Marcia Dalla Déa Barone, da 4ª Câmara de Direito Privado do TJSP, decidiu de outra forma. Ela destacou que o pai deixou o emprego na funerária, até porque residia com a mãe dele, que faz parte do grupo de risco. Também fez um teste com resultado negativo para Covid-19, “evidenciando o cumprimento do dever de tutelar pela saúde de sua filha”.
A advogada Thais Mattos, que trabalha com direito de família e mediação e mora no Rio, não precisou ir à Justiça para chegar a um acordo com Rafael Simões, que vive em São Paulo e é o pai de seu filho de 11 anos. Antes, o menino visitava o pai a cada 15 dias, além de passar com ele os feriados e parte das férias. Com a pandemia, os dois concordaram que ele ficasse com a mãe durante os primeiros quatro meses. Para matar as saudades, pai e filho se falavam por vídeo. Após a flexibilização do isolamento, o garoto foi de carro a São Paulo e passou dois meses lá. A pensão foi revista, porque o pai trabalha com eventos, uma das áreas mais afetadas. A mãe repassou um desconto de 30% que conseguiu em despesas como escola e transporte.
— Como temos uma boa relação, optamos por não ir à Justiça. Sempre procuramos ouvir nosso filho, e encontramos um meio-termo — diz Thais.
A professora de educação física Rayane Pacheco, de Niterói, também fez acordo diretamente. Ela e o ex-marido alternavam os dias da semana em que cada um ficava com o filho de três anos. Com a pandemia, mudaram o acordo e não pretendem voltar ao esquema anterior.
— Decidimos dividir de 15 em 15 dias a princípio, que é o tempo para aparecerem os sintomas da Covid-19. Mas, como esse esquema ficava muito puxado para os dois, depois da flexibilização achamos melhor cada um ficar com ele por uma semana — afirma a professora.
A pandemia até reaproximou a estudante de Direito Fabiana Machado e o policial militar Luiz Henrique Vasconcelos, pais de um menino de três anos. Eles se separaram no fim de 2019. Com o isolamento domiciliar, voltaram a morar juntos e reataram a relação, mas em junho o divórcio saiu. Em setembro, os dois estabeleceram a união estável, e em breve pretendem se casar novamente.
— Todo mundo fala: “Vocês se amam muito mesmo, porque se divorciar e casar com a mesma pessoa a gente nunca viu”. Uma advogada me perguntou se eu tinha certeza e eu falei que não. Que certeza a gente tem na vida? Jamais imaginei que iria voltar atrás e estou aqui — conta Fabiana, aos risos.