A reparação de danos em virtude do abandono afetivo possui fundamento jurídico próprio, bem como causa específica e autônoma que não se confunde com o pagamento de pensão alimentícia. Trata-se do descumprimento, pelos pais, do dever jurídico de exercer a parentalidade de maneira responsável.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado por uma filha que sofreu traumas psicológicos com consequências físicas em razão do abandono afetivo cometido pelo pai quando ela era ainda criança.
A ação foi ajuizada quando a a filha tinha 14 anos. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afastou a indenização porque a afetividade não constitui dever jurídico. Ou seja, não cabe ao Judiciário impor o afeto de um pai pela filha. Logo, a repercussão que o pai pode sofrer na seara do Direito Civil se limita à obrigação de pagar pensão ou perda do poder familiar.
Relatora, a ministra Nancy Andrighi esclareceu que o pagamento de pensão materializa apenas o dever de assistência material dos pais em relação aos filhos e não é suficiente para que os pais se sintam livres de qualquer obrigação dali em diante.
Já a perda do poder familiar protege a integridade da criança, de modo a lhe ofertar, por outros meios, a criação e educação negada pelos pais. Do mesmo modo, ela não compensa o efetivo prejuízo causado ao filho pelo abandono afetivo.
"Como se percebe, há um dever jurídico dos pais, distinto do dever de prover material e economicamente à prole e que não pode ser resolvido apenas sob a ótica da destituição do poder familiar, de conferir ao filho uma firme referência parental, de modo a propiciar o seu adequado desenvolvimento mental, psíquico e de personalidade", afirmou a ministra.
Portanto, se a paternidade é exercida de forma irresponsável, desidiosa, negligente, nociva aos interesses da criança e dessas ações resultarem traumas, não há óbices para a condenação em indenizar por danos morais.
Em voto-vista, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva ainda destacou que, apesar de não existir no ordenamento pátrio o dever de amar, o artigo 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que "nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais".
Essa construção jurisprudencial foi, inclusive, feita pela 3ª Turma desde o Recurso Especial 1.159.242, em que admitiu a indenização por abandono afetivo, orientação também seguida pela 4ª Turma do STJ.
A tese tem sido aplicada por diversos tribunais pelo país, mas seu uso é excepcionalíssimo e de acordo com o caso concreto. Em 2015, ministros da 3ª Turma recomendaram aos magistrados cautela ao julgar o tema.
No caso concreto, a 3ª Turma decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso para julgar procedente o pedido de indenização. O montante de R$ 3 mil fixado pela primeira instância e reformado pelo TJ-RJ foi considerado irrisório, sendo então aumentado para R$ 30 mil.