A queda expressiva no número de adoções concluídas ao longo do último ano retrata os desafios enfrentados neste cenário durante a pandemia. De acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, no primeiro trimestre de 2019 foram realizadas 673 adoções no país. No mesmo período de 2020, o número foi de 683. Já em 2021, caiu para 289.
Ainda que o número de pessoas que pretendem adotar permaneça estável, as restrições impostas pela pandemia aumentaram o tempo que o processo leva para se concretizar. A presidente da Comissão de Adoção do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, Silvana do Monte Moreira, destaca que a queda nas adoções tem correlação estreita com a redução do acolhimento, tendo em vista que os acolhimentos diminuíram cerca de 50% em comparação a 2020/2019, conforme se verifica no censo realizado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – MPRJ.
Segundo a advogada, os principais desafios da adoção na atualidade são “lidar com a morosidade do Judiciário, com o desrespeito aos prazos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, com os processos de destituição do poder familiar que nunca terminam e com a insegurança jurídica.”
Os únicos avanços, segundo ela, foram os acessos virtuais e a digitalização dos processos, "que, mesmo assim, não atingiu 100% dos acervos”. A especialista destaca ainda que, graças a requerimento do IBDFAM, há hoje a Recomendação 97, de 9 de abril de 2021, do CNJ, que indica a utilização de ferramentas tecnológicas para a realização de audiências e atendimentos pelas equipes técnicas. O objetivo é oferecer celeridade aos processos da área da Infância e Juventude, mesmo durante a pandemia do novo coronavírus.
Em tramitação
Tramitam na Câmara e no Senado alguns projetos que dispõem sobre a adoção no Brasil. Entre eles, a advogada cita o PLS 4.414/2020, que determina o encaminhamento de crianças e adolescentes órfãos ou abandonados em razão de pandemia ou calamidade pública à Justiça da Infância e da Juventude para acolhimento institucional ou familiar, bem como o seu cadastro para adoção e a destituição dos seus genitores do poder familiar, caso estes não sejam localizados.
Para Silvana, as redações de algumas destas propostas acabam por transferir o foco da prioridade absoluta para os adultos, e não para a criança. Um exemplo, segundo ela, é o PLS 379/2012, que altera o ECA para prever tentativas de reinserção familiar da criança ou do adolescente. “A proposta tem as melhores das intenções, mas inverte a prioridade absoluta e levará a interpretações que desconsideram a situação de especial estágio de desenvolvimento de crianças e adolescentes.”
A advogada também cita o PL 775/2021, de autoria dos deputados General Peternelli e Paula Belmonte, que permite que famílias que se encontram na fila para adoção possam funcionar como famílias acolhedoras, com prioridade na adoção do acolhido. Segundo Silvana, a proposta é “imbuída de um excelente propósito, mas termina por confundir o serviço de acolhimento familiar com o instituto da adoção.”
Guarda provisória
Para Silvana, o PLS 371/2016 é um dos que devem ser aprovados e sancionados o quanto antes, e sua importância é ainda maior durante a pandemia. A proposta acaba com o deferimento por tempo determinado da guarda provisória nos processos de adoção, tempo após o qual o termo de guarda perde a sua validade, gerando dificuldade extra às famílias adotantes de ter que se dirigir à vara em busca da renovação da guarda, “além de demandar uma movimentação desnecessária das já superlotadas e desfalcadas varas da infância e da juventude.”
Se aprovada, a guarda provisória, no procedimento de adoção, terá validade até a prolação da sentença, ressalvadas as hipóteses de revogação ou modificação da medida, mediante ato judicial fundamentado.
“É preciso que se entenda que, sete anos depois da edição do Provimento 36 do CNJ, essa norma continua a ser descumprida. O que implica dizer que não foram criadas ou transformadas as varas que atendem à área protetiva do direito da criança e do adolescente em varas com competência exclusiva em Infância e Juventude, que não foram contratados psicólogos, assistentes sociais e pedagogos na proporção de 1 para cada 100 mil habitantes”, frisa a advogada.
Silvana destaca ainda o Provimento CGJ 02/2021 do Tribunal de Justiça de Pernambuco – TJPE, que “tem trazido a necessária celeridade processual às ações em trâmite nas Varas da Infância e da Juventude daquele estado, em atendimento ao princípio da prioridade absoluta inserto no artigo 227 da Constituição Federal. Um exemplo a ser seguido por todos os Tribunais de Justiça do Brasil”, observa.