À espera de sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a medida provisória 936, que suspende contratos de trabalho e reduz jornada e salário, incluiu dispositivo que altera a lei da PLR (participação nos lucros ou resultados) e pode afetar autuações da Receita.
O artigo foi inserido na MP ainda na discussão na Câmara. O texto permite que empresas e funcionários fechem acordos de PLR no mesmo ano do pagamento da participação, e não no ano-calendário anterior, como no entendimento vigente no Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
Se a empresa decidir pagar a participação em parcela única, o acordo deve ser fechado até 90 dias antes, conforme a MP. Se o valor for fracionado e uma parte for antecipada, o texto diz que as duas partes precisam assinar a negociação antes, mas isso pode ocorrer no mesmo ano, e não necessariamente no ano-calendário anterior.
“É uma forma de estimular os acordos de PLR”, afirma Domingos Fortunato, sócio do escritório Mattos Filho. “Por que esses 90 dias? Como empresário, você vai ter uma previsibilidade do que vai acontecer nesses 90 dias, saber como está indo o barco.”
É a mesma avaliação de Marcello Pedroso, sócio do Demarest. “A jurisprudência do Carf entendia que, para a PLR de 2020, o plano deveria estar assinado até dezembro de 2019”, diz. “Mas, às vezes, isso é impossível, porque envolve planos globais da companhia. Como estipular a PLR se você só vai fechar o balanço no começo do ano seguinte?”
Outra mudança envolve parâmetros que podem ser usados pela Receita como base para autuação.
A lei veda o pagamento de antecipação ou distribuição de PLR em mais de duas vezes no mesmo ano ou em periodicidade inferior a um trimestre. Isso acontece para que o valor não configure salário.
No entendimento do Carf, se uma empresa pagasse a PLR em mais do que duas parcelas --o que poderia ocorrer em caso de erro contábil, por exemplo--, poderia ser autuada e todo o valor era descaracterizado. A autuação era feita com base no pagamento inteiro, e não sobre a parcela excedente.
“Vai causar um bom impacto [nas autuações], porque acaba com parte das discussões sobre PLR”, avalia Giácomo Paro, sócio do Souto Correa Advogados. “Hoje, se ocorre um pagamento em desacordo com a regra, isso invalida o plano de PLR ou só o que foi pago fora dele? Essa mudança vai dizer que invalida só os pagamentos feitos em desacordo com a norma.”
O texto da MP também diz que as alterações promovidas na lei da PLR têm caráter interpretativo, o que significa que valeriam para novos processos no Carf, mas também poderiam ser aplicadas em ações em andamento no conselho.
“Todas as autuações em discussão podem ser afetadas por esta regra. Mas isso é reflexo da jurisprudência do Carf, que já caminhava nesse sentido”, afirma Marcello Pedroso, do Demarest. “Dá mais segurança jurídica para a empresa. Antes, se mudasse a composição do Carf, poderia mudar uma situação que foi discutida há dez anos.”
O relator do texto na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), também diz que a intenção foi dar mais segurança jurídica à lei da PLR. “Havia uma interpretação polêmica pela Receita. A Receita interpretava que a empresa tentava burlar ou como uma forma de aumento de salário para diminuir a tributação. Havia uma controvérsia jurídica.”
Segundo ele, as mudanças atenderam a pedidos de sindicatos de trabalhadores, como bancários e metalúrgicos, mas também de entidades patronais da indústria e do setor de serviços.
“A PLR constitui parte relevante da renda dos trabalhadores no setor bancário. Foi uma maneira de permitir uma interpretação clara da norma, já que alguns auditores identificavam de um modo, outros de outra maneira.”