O governo acelerou na última semana o anúncio de medidas financeiras para apoiar os brasileiros durante a pandemia do coronavírus, mas um grupo numeroso ainda permanece desassistido, sem nenhum pacote de ajuda: as microempresas com faturamento entre R$ 28,5 mil e R$ 360 mil por ano.
O segmento não se encaixa em nenhum dos programas de socorro anunciados até agora, nem os de concessão de empréstimo para capital de giro ou pagamento da folha nem o auxílio emergencial de R$ 600 que será dado para informais ou microempreendedores com menor faturamento.
Estimativa feita pelo professor do Insper Paulo Ribeiro com base em dados do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) indica que esse grupo pode conter até 14,2 milhões de empresas —são 16,8 milhões de microempreendedores individuais (MEIs) no país, mas o governo diz que 2,2 milhões desses últimos receberão auxílio emergencial.
Segundo estudo do Sebrae-SP, 89% das micro e pequenas empresas do país já percebem queda no faturamento desde o início da crise. Para 63%, a queda é superior a 50%.
Um total de 40% prevê fechar temporariamente o negócio diante da falta de demanda.
Em pesquisa divulgada na sexta (3), o Sebrae-SP diz que 95% das micro e pequenas empresas em São Paulo já sentem queda nas vendas. Um total de 53,4% delas já está com portas fechadas. Em média, o segmento tem 12 dias de caixa para encarar a crise.
Entre as microempresas brasileiras, 2,9 milhões se dedicam ao comércio —os maiores grupos são varejistas de vestuário e de alimentação, tanto supermercados, quanto lanchonetes e restaurantes— e 2,7 milhões se dedicam aos serviços.
É o caso de profissionais como a agente de viagens Lina Colnaghi, de Porto Alegre, que é microempreendedora individual, mas tem faturamento acima do teto estabelecido para receber o auxílio emergencial. Após o início das restrições à circulação, ela parou de faturar.
“O turismo está parado, até por uma questão de responsabilidade, e nas últimas três semanas não tive nenhuma venda”, afirma.
“Já deletei vários itens [do orçamento]. O dinheiro que eu tenho hoje vou segurar para pagar as coisas essenciais.”
No domingo (29), o ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a dizer que gostaria que o programa de empréstimos para o pagamento de salários chegasse a esse grupo —hoje está restrito a empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões por ano—, mas nenhuma medida foi anunciada ainda para essa faixa.
A ideia, segundo ele, é usar as maquininhas de cartões como veículo para atingir esse público. Ribeiro, do Insper, diz que além das maquininhas, o governo poderia usar fintechs de microcrédito e bancos digitais para atingir esse público.
Ele ressalta, porém, que é preciso olhar a questão das garantias para a obtenção de financiamentos, que podem ser entraves ao acesso a crédito, já que os pedidos terão que passar por análise dos bancos.
O economista sugere mecanismos como aval solidário, quando um empreendedor avaliza outro, e fundos garantidores como o FGI, do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o Fampe (Fundo de Aval para Micro e Pequenas Empresas), do Sebrae.
Este último será ampliado: na terça-feira (31), o governo editou medida provisória que direciona 50% da arrecadação do Sebrae para o fundo.
A operação de socorro começará com a oferta de R$ 1 bilhão em garantias, o que permitiria a concessão de até R$ 12 bilhões em financiamento, segundo a instituição.
Presidente da consultoria especializada Dicas Mei, com passagem pelo Sebrae, Celso Valente avalia que medidas para o segmento serão anunciadas em breve.
“Esse pessoal certamente será assistido em um próximo momento. O governo está falando agora com a base da pirâmide.”