Com base no bem-estar da criança e por considerar a relação de parentalidade desenvolvida e a ausência de transação monetária, a Justiça de Goiás julgou procedente o pedido de destituição do poder familiar e confirmou uma adoção dirigida. Segundo a advogada Chyntia Barcellos, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, que atuou no caso, a sentença é simbólica, pois, nela, o melhor interesse da criança foi superior à falta de previsão legal sobre o assunto.
Conforme consta nos autos, a genitora da criança, ainda durante a gestação, manifestou interesse de entregar a filha aos requerentes, pois já tinha outros três filhos e não tinha condições de cuidar de mais um. O contato entre as partes foi feito por meio de uma amiga em comum.
A menina, hoje com seis anos de idade, está na companhia do casal desde os dois dias de vida. Ao requerer a destituição do poder da genitora e adoção da criança, os autores alegaram que desenvolveram relação de parentalidade e que dispensam todo o necessário ao desenvolvimento da infante.
A advogada explica que o casal apresentou o pedido de adoção em 2020, mesmo cientes de que a adoção dirigida não tem previsão legal no Brasil. Destaca que a criança é extremamente adaptada no seio da família, conforme comprovado por parecer de assistente social feito de forma on-line durante a pandemia.
Chyntia salienta ainda que a genitora não conviveu com a infante, e queria que a adoção fosse realizada. “Uma criança aos seis anos de idade, com todos os laços de afeto, de obrigações, e de estudo amparados, não tinha por que ser encaminhada para um abrigo por falta de previsão legal.”
Melhor interesse
De acordo com a juíza responsável pelo caso, em que pese a evidente prática de adoção dirigida, o fim perseguido é o bem-estar e a segurança da criança, em condições favoráveis ao seu desenvolvimento. “Em que pese a primazia do princípio da convivência familiar, restou claro do depoimento da genitora da adotanda, que nem ela ou qualquer outro membro da sua família extensa possuem interesse em se responsabilizarem ou cuidarem da criança.”
Para a magistrada, não há como negar que o melhor para a adotanda é a sua permanência na família constituída com os requerentes, que lhe dispensa alento, amparo, segurança e afeto, elementos essenciais para o seu integral desenvolvimento. “Ademais, cumpre ressaltar que a ordem cronológica do cadastro de adotantes poderá ser desconsiderada, tendo em vista o superior interesse da adotanda, a comprovação dos laços de afetividade e a inexistência de má-fé.”
Chyntia Barcellos conclui que o caso representa um avanço e aponta para a necessidade de reconfiguração do sistema de adoção no Brasil. “Sabemos o quão delicadas são as questões de adoção envolvendo menores, mas precisa ser achado um meio-termo legal, para que casos envolvendo a boa-fé, e sem nenhuma mácula de direito, possam ter esse final feliz.”