Justiça já responde por 20% das novas concessões de BPC

Fonte: O Globo
18/11/2019
Direito Previdenciário

O governo vai apertar o cerco contra ações na Justiça que ampliam a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Criado para impedir a pobreza na velhice, o benefício é equivalente a um salário mínimo e é concedido a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.

Em 2018, 20% de todo o montante de novos benefícios pagos pela União foram decorrentes de ações judiciais, o que correspondeu a uma despesa de R$ 5,4 bilhões. A proporção de pagamentos do BPC obtida por via judicial é maior do que a registrada quando se observa o conjunto de todos os benefícios do INSS.

O programa tem sido objeto de ações civis públicas e decisões judiciais, que, na avaliação do governo, distorcem o objetivo inicial do programa, ao estabelecer regras diferentes para quem recebe o recurso da União.

A Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) define como critério para a concessão do benefício renda familiar per capita de um quarto do salário mínimo. O Supremo Tribunal Federal (STF) entende que esse critério é legal, mas que ele pode ser flexibilizado, dependendo do caso. O resultado é uma profusão de ações judiciais com abrangência nacional, estadual e municipal.

Vinte e nove critérios

Segundo dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), existem 29 critérios diferentes para a concessão do BPC no país, o que provoca até migração de pessoas para locais onde a Justiça concede maiores vantagens. Essa situação, para a equipe econômica, é uma das razões que explicam o salto nas despesas de R$ 6 bilhões em 2004 para R$ 53,8 bilhões em 2018.

Segundo o professor João Saboia, da UFRJ, esse salto também se deve ao envelhecimento da população. Em 2012, havia no país 24,8 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Esse número subiu para 33,3 milhões este ano.

— A população brasileira está envelhecendo. A taxa de nascimento tem caído, e a população idosa, aumentado. A tendência é continuar crescendo a demanda pelo benefício — adianta.

Derrotado no Senado, durante a votação da reforma da Previdência, na tentativa de pôr na Constituição os critérios para a concessão do benefício, o governo partirá para uma nova estratégia. Segundo o secretário de Previdência, Leonardo Rolim, a equipe econômica vai aproveitar em breve a regulamentação da Lei Brasileira de Inclusão (LBI), aprovada em 2015, para definir claramente o conceito de vulnerabilidade e estabelecer um parâmetro único e nacional para o benefício:

— Uma solução é utilizar a regulamentação da LBI para fazer o Executivo voltar a conceder o BPC. Quem faz isso hoje é o Judiciário.

Entre 2004 e 2018, o índice de concessão judicial do BPC passou de 2,8% do total de benefícios concedidos na Justiça para 18,7% do total. Atualmente, 4,8 milhões de pessoas recebem o BPC.

Polêmica na reforma do INSS

A discussão em torno do BPC foi uma das mais polêmicas da tramitação da reforma da Previdência no Congresso, por envolver a parcela mais vulnerável da sociedade e por ser um benefício considerado socialmente justo.

Na tentativa de reduzir o índice de judicialização na concessão desse benefício, o governo incluiu na proposta de reforma da Previdência enviada ao Congresso o critério único na Constituição: renda familiar per capita de um quarto do salário mínimo. A medida foi aprovada pela Câmara dos Deputados, mas rejeitada no Senado. Se aprovada, resultaria em uma economia de R$ 33 bilhões em dez anos.

O argumento do governo para incluir o critério de renda do BPC na Constituição foi que os juízes acabam usando outros princípios constitucionais como direito a saúde e dignidade para conceder o benefício.

Um levantamento do INSS aponta um rol de sentenças que permitem a concessão do BPC mesmo que outro integrante da família já receba o benefício, ou mesmo aposentadoria e pensão, o que quebra o critério original de concessão.

Há processos em que os juízes mandam descontar do critério de renda as despesas do idoso com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, transporte especial, consultas médicas, tratamento psicológico e fisioterapia. Esse é o caso de uma decisão do Rio Grande do Sul com abrangência nacional.

Outra ação, no Distrito Federal, determinou a concessão do benefício a estrangeiros (idosos e deficientes) residentes no país. A Loas não faz referência quanto à nacionalidade do beneficiário.

Avaliações menos rígidas

Em Pernambuco, uma decisão que abrange 22 municípios considera como critério para a concessão do BPC a renda familiar per capita de meio salário mínimo e manda desconsiderar do cálculo se algum membro do grupo familiar recebe aposentadoria ou pensão no valor de um salário mínimo. Já em Porto Alegre, uma sentença diz que o fato de os requerentes serem internos do Instituto Psiquiátrico Forense Doutor Maurício Cardoso Gonçalves e do Hospital Psiquiátrico São Pedro, localizados na cidade, não deverá ser usado como obstáculo para a concessão do benefício, independentemente de renda.

As sentenças judiciais acabam estimulando as pessoas a recorrerem à Justiça quando o pedido é negado administrativamente, disse o procurador-chefe do INSS, Adler Anaximandro. Ao todo, existem em andamento no país 55 ações civis movidas pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública, provocados pelos cidadãos.

— Além de criar várias categorias de beneficiários, o crescimento dos gastos põe a política pública em risco — disse o procurador, acrescentando que o objetivo é atender as pessoas da baixa renda que não tiveram condições de contribuir o suficiente para a aposentadoria (por idade).

Na opinião de Saboia, da UFRJ, mesmo que se inibam as ações na Justiça, dois fatores vão contribuir para que os gastos continuem aumentando:

— O grande problema é a informalidade, que não para de aumentar desde 2014. Metade dos ocupados é informal e não terá direito à aposentadoria pelo INSS. Além disso, a pobreza vem crescendo. Envelhecimento, informalidade e pobreza criam um ambiente para o aumento dos gastos.

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