Milhões de reais esquecidos em contas judiciais estão sendo transferidos pela Justiça do Trabalho a seus donos. A maior parte dos valores pertence a empresas - rés em ações finalizadas (transitadas em julgado). No Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, o maior do país, os empregadores receberam R$ 25,4 milhões de um total de aproximadamente R$ 35 milhões.
A identificação só foi possível com a adoção em 2019 do programa batizado de “Sistema Garimpo”, que permite o cruzamento de dados de processos arquivados com informações do Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal (CEF). O tribunal paulista foi um dos primeiros a adotar o software, desenvolvido pelo TRT do Rio Grande do Norte.
Em maio do ano passado, em evento em Brasília organizado pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), todos os regionais do país se comprometeram a utilizar a ferramenta. O software, porém, não identifica os donos dos valores, apenas o montante ainda pendente em conta judicial. Esse trabalho posterior é feito manualmente.
Esses recursos esquecidos pertencem às partes - trabalhador ou empresa, que pode ter efetuado depósito a maior -, a advogados e peritos ou mesmo à União, por meio de créditos de tributos, como a contribuição previdenciária. No TRT de Goiás, por exemplo, a estimativa é de pelo menos R$ 45,5 milhões parados em contas judiciais. Iniciado em maio do ano passado, o projeto segue agora na fase de identificação dos beneficiários.
Em São Paulo, a operação está mais avançada. Os R$ 35 milhões são apenas uma pequena parte do que se estima estar abandonado. No total, são cerca de R$ 300 milhões, segundo o juiz Jorge Batalha Leite, responsável pelo Juízo Auxiliar em Execução do TRT paulista.
“Estamos ainda sendo conservadores”, diz ele, lembrando que o cálculo preliminar feito após a adoção do programa era de R$ 100 milhões. Boa parte, acrescenta, pertence a grandes bancos, como Bradesco, Itaú e Santander. “São recursos que poderão ser levantados [pelos beneficiários] para movimentar a economia.”
Parte dos R$ 35 milhões, porém, ficaram na Justiça do Trabalho. Um total de R$ 4,6 milhões pertence a empresas que são partes em outros processos em andamento. Nesses casos, os valores foram retidos para serem enviados para as contas judiciais das varas trabalhistas que cuidam das ações.
“Não imaginava que havia tanto dinheiro esquecido nos tribunais”, diz o advogado Osvaldo Ken Kusano, sócio trabalhista do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. De acordo com ele, o processo eletrônico e o avanço da tecnologia nos escritórios, porém, melhoraram a situação. “O advogado nunca foi muito fã de tecnologia. Por isso, se não havia um sistema preciso de acompanhamento, poderiam ser esquecidos valores por empresas em contas.”
Para os trabalhadores, o TRT de São Paulo repassou um total de R$ 1,9 milhão. O restante levantado ficou com a União (R$ 2,5 milhões) - quase tudo de contribuição previdenciária - e com peritos (R$ 21 mil).
Um ex-funcionário da Eletropaulo conseguiu levantar R$ 170 mil de um processo ajuizado em 1995. “Ele nem acreditou. O valor estava esquecido, por descuido”, diz a advogada Marina Pincherle Fantauzzi, que atua com a recuperação de créditos. “Às vezes para a empresa não faz a menor diferença. Mas para um trabalhador faz”, afirma.
No TRT da Bahia, já havia desde 2018 um projeto que buscava identificar a existência de saldo em contas judiciais de processos arquivados. Em 2019, foi ajustado e criou-se o Grupo de Trabalho Projeto Garimpo. Por meio do trabalho, identificou-se que a maior parte dos valores existentes nas contas judiciais se refere a saldos a serem devolvidos ao empregador, que sobraram na conta após a quitação dos créditos do empregado.
Cada tribunal estabeleceu um valor mínimo para o trabalho. Na Bahia, ficou em R$ 100. Em Goiás, em R$ 50. No TRT goiano foram localizadas 22 mil contas com até esse valor, em um total de R$ 152 mil. Tudo será repassado ao governo federal.
Todo o trabalho é regulamentado pelo Ato Conjunto nº 1, de fevereiro de 2019, editado pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho e que dispõe sobre o tratamento dos depósitos judiciais de processos arquivados. Pela norma, se os valores encontrados não forem resgatados em dez anos, serão destinados à União. Além disso, a partir da norma, nenhum processo pode ser arquivado se houver conta judicial com valor disponível.
Entusiasta do projeto, o advogado paranaense Gustavo Possamai reclama, porém, do fato de alguns regionais não terem incluído, entre os valores, os depósitos recursais. “É um absurdo. O Projeto Garimpo fala em contas judiciais, todas vinculadas aos processos, e não exclui o depósito recursal”, afirma ele, que faz esse trabalho de recuperação de recursos para empresas há mais de uma década. “Foi [o projeto] um grande avanço.”