Uma decisão da 2ª Vara Federal de Campinas (SP) afastou a cobrança de contribuições previdenciárias de dois planos de distribuição de ações a funcionários – um de opção de compra (stock option) e outro de doação (restricted stock unit). Em ambos os casos, o juiz José Luiz Paludetto entendeu que os valores pagos, decorrentes dos planos, não representam rendimentos do trabalho – portanto, não possuem natureza salarial.
Os planos de stock options são usados para reter ou atrair funcionários, principalmente de alto escalão. Em geral, permitem aos empregados adquirir ações de forma mais vantajosa do que no mercado. Há normalmente um período de carência para a aquisição e, após a compra, um intervalo para a venda dos papéis. O outro tipo de plano – restricted stock unit (RSU) – funciona de forma parecida, mas não há desembolso por parte do empregado.
A sentença é relevante, segundo advogados, porque geralmente a tributação sobre doações de ações é mantida em decisões judiciais. No caso de stock options, há posicionamentos divergentes no Judiciário. Empresas e executivos aguardam definição pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Empresas e União discordam sobre a natureza da operação. Para as empresas, trata-se de um contrato de natureza mercantil. Já a Receita Federal entende que os valores decorrentes dos planos são remuneração indireta. Considera que têm natureza salarial e, por esse motivo, aplica a contribuição previdenciária – de 20% sobre o total destinado aos funcionários.
O processo (nº 5002951-79.2017.4.03.6105) foi ajuizado pela Avery Dennison do Brasil, que produz etiquetas e materiais de embalagem. A empresa pediu para afastar a cobrança de contribuições previdenciárias (patronal e SAT/RAT) e contribuições a terceiros sobre os planos, ofertados pela matriz, além da restituição do que foi pago nos últimos cinco anos.
No pedido alega que os valores pagos aos empregados, por meio desses planos, não têm caráter salarial. Trata-se, argumenta, de um contrato de natureza exclusivamente civil, embora ofertado somente a pessoas contratadas.
Ainda de acordo com a companhia, os planos são discricionários e ocasionais, com participação voluntária e valor futuro de recompensa incerto e indeterminado. E não estão atrelados à performance individual de cada empregado. Há, acrescenta, o risco inerente às ações e os direitos atrelados aos papéis serão adquiridos/cedidos de empresa não sediada no Brasil (Avery Dennison Corporation), a quem caberá a realização dos pagamentos.
A argumentação foi acatada pelo juiz José Luiz Paludetto. Ele entendeu que as contribuições previdenciárias devem incidir apenas sobre as verbas recebidas pelo empregado que tenham natureza salarial. “Não há que se falar em incidência de tal exação sobre verbas de natureza diversa, conquanto não autorizada pela legislação vigente”, afirma na sentença.
Para o juiz, embora o plano de incentivo seja acessado pelo trabalhador em decorrência do vínculo existente com a empresa, ele não indica que seja cobrada alguma contrapartida do empregado. “A relação jurídica é de natureza mercantil, remete a uma operação de risco, sendo variável o valor obtido com a operação”, diz.
O juiz considerou que o empregado pode ter lucro ou não. E por não ser remuneração e não ter natureza salarial, não haveria, segundo ele, incidência da contribuição patronal. As contribuições devidas ao RAT/SAT e a terceiros, acrescentou, devem seguir a mesma lógica, já que têm a mesma base de cálculo. Também foi autorizada a compensação.
Os planos de RSU não são remuneração, segundo a advogada Mariana Vito, do escritório Trench Rossi Watanabe, que representa a Avery Dennison no processo. “É uma forma de reter o empregado para ele se sentir sócio da empresa. Não se pode considerar remuneração”, afirma. Segundo a advogada, quando o funcionário ganha benefício atrelado a ações, não sabe se irão se valorizar ou não. “O que significaria não ter, na prática, qualquer benefício.”
De acordo com a advogada Luciana Simões de Souza, do mesmo escritório, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) tem posicionamento desfavorável para casos de doações de ações. Esse seria o primeiro precedente judicial que afasta a tributação sobre esse tipo de plano.
Casos envolvendo doações de ações são mais incomuns, segundo o advogado André Fittipaldi, sócio na área trabalhista e previdenciária do escritório TozziniFreire Advogados. Como não envolvem o desembolso de valores pelos empregados, acrescenta, é comum juízes considerarem que há caráter salarial.
A questão das stock options já está na pauta do STJ (REsp nº 1737555). Os ministros vão analisar um recurso da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) contra decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, em São Paulo, que beneficiou a Skanska Brasil.
Procurada pelo Valor, a PGFN não deu retorno até o fechamento da edição.