O Brasil tem 12,2 milhões de pessoas desempregadas e, mesmo assim, a arrecadação de tributos no contracheque dos trabalhadores é a maior em 10 anos, resultado da defasagem da tabela do Imposto de Renda (IR), que inclui mais de 500 mil contribuintes a cada ano nas garras do Leão. De acordo com a Receita Federal, o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) recolheu, em 2018, R$ 120,2 bilhões, o que corresponde a uma alta real — descontada a inflação — de 3% em comparação com 2017, quando somou R$ 117 bilhões. É o segundo ano consecutivo de aumento na arrecadação do governo federal.
Para os analistas, além da maior eficiência da Receita em cruzar informações dos contribuintes, a defasagem da tabela do IR tem importante papel nessa contradição. Na prática, as pessoas estão pagando mais tributos com a desatualização dos valores de cobrança, explica o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, João Eloi Olenike. “O que ocorre é uma apropriação indébita do governo, porque a Receita arrecada mais quando a tabela do IR não é atualizada e há uma defasagem muito grande. Isso faz com que o dinheiro, em vez de ficar com o trabalhador para gastar do jeito que achar certo, fique com o governo, que gasta mal”, ressalta.
Segundo cálculos do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), a defasagem na correção da tabela do Imposto de Renda de 1996 a 2018 chega a 95,46%. Com as contas públicas no vermelho desde 2014, o governo não tem interesse de corrigir a tabela. A sensação da população, no entanto, é a de que os impostos corroem o salário, mas os serviços públicos não tem a qualidade desejada.
O taxista João Batista, 73 anos, diz que não vê aplicação correta dos impostos pagos e sente que seu dinheiro é “sugado”. “O que dá esperança é a mudança de governo. Eu espero resultado daqui para frente. Nos governos passados, parei de confiar, porque todos estavam sempre tirando dinheiro de mim”, afirma. O colega Jorge Mourão, 71, diz que os políticos usam o dinheiro público “por meio da corrupção”.
Para a funcionária pública aposentada Sarah Barbosa, 68, é um “grande absurdo” o que precisa ser declarado. Contribuinte há 50 anos, ressalta que “nunca viu retorno” do que pagou ao governo. “Acho isso caótico. Estou na faixa de 27,5%, e tudo é desperdiçado. Nunca vi retorno”, comenta. Com a má aplicação dos recursos, Sarah lamenta que precisa recorrer a serviços particulares. “Pago o plano de saúde e a escola do meu neto, quando os impostos deveriam garantir boa educação, saúde, segurança. Não temos nada disso”, diz. Moradora da Asa Sul, ela acredita que, se o dinheiro fosse direcionado corretamente, a segurança seria melhor. “Não dá para sair à noite e fazer uma caminhada”, reclama.
Na lanterna
A carga tributária brasileira atingiu 32,43% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2017, segundo a Receita. Estudo do IBPT aponta que o Brasil ocupa a última posição no ranking de 30 nações no Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (IRBES). O país fica atrás de nações como Uruguai, Argentina e Grécia. A Irlanda ocupa a primeira colocação.
O presidente do IBPT explica que, quanto maior a renda, mais a pessoa paga de imposto. “Como há um estacionamento da tabela, já que a última alíquota é de 27,5%, quem ganha R$ 8 mil é colocado no mesmo patamar daqueles que recebem R$ 150 mil ou R$ 200 mil. Isso é injusto. A tributação deveria ser progressiva”, declara.
Além de a tabela do IR estar defasada, os especialistas avaliam que a tributação é feita de forma distorcida. Para atualizar a tabela, o presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral, entende que é preciso fazer uma mudança gradual. “A correção (como está) faz com que as pessoas passem a pagar mais e acaba gerando uma arrecadação maior”, ressalta. A entidade avalia que quase todos os contribuintes seriam afetados positivamente com a correção da defasagem, porque mudariam de faixas de tributação. Apesar disso, o processo teria que ocorrer de forma gradual para não impactar a arrecadação.
A equipe econômica do atual governo estuda reduzir o número de alíquotas pagas por pessoas físicas, que hoje englobam cinco faixas (veja no quadro). Os técnicos avaliam a possibilidade de criar duas alíquotas, sendo uma de 15% ou 20% para a maioria dos contribuintes, e outra, de 25% aos que têm renda maior. Além disso, a faixa de isenção aumentaria dos atuais R$ 1.903. Durante a campanha, foi aventada a possibilidade de um rendimento mensal de até R$ 5 mil ficar livre de IR.