Os profissionais autônomos que exercem atividade remunerada e estão com o pagamento das contribuições ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) atrasadas podem ter mais dificuldade para fazer a quitação dos valores e requerer algum benefício previdenciário.
Em portaria publicada no último dia 22, no Diário Oficial da União, o INSS divulgou normas que limitam a liberação da aposentadoria e de outros benefícios no caso de quem vai pagar a dívida que está em atraso.
As novas regras, previstas na portaria 1.382, têm como base a reforma da Previdência, que passou a valer em 13 de novembro de 2019, e o decreto que regulamentou a reforma, de 1º de julho de 2020. Dentre os principais pontos está a limitação do uso desses períodos como carência (tempo mínimo para ter um benefício previdenciário) e tempo de contribuição para a aposentadoria, conforme a data de pagamento da contribuição em atraso.
O documento afirma que "não serão consideradas como carência as contribuições recolhidas com atraso referentes às competências anteriores à data daquele primeiro recolhimento em dia". Se o autônomo passou dois anos sem pagar o INSS, por exemplo, e quer quitar esses valores agora, eles só contarão como carência para períodos posteriores à data do pagamento, mesmo que a atividade tenha ocorrido em anos anteriores.
De acordo com a regra anterior, em vigor até 30 de junho de 2020, a carência era contada conforme o mês da competência, e não na data do pagamento. A exceção fica por conta de quando a quitação é realizada dentro do período em que o cidadão ainda mantém a qualidade de segurado do INSS, ou seja, o direito à cobertura da Previdência.
A carência para ter benefícios previdenciários varia conforme o tipo de pedido. Se for para receber uma aposentadoria, o mínimo é de 180 contribuições (15 anos). No caso de quem vai pedir um auxílio-doença, são exigidos 12 meses.
No caso do tempo de contribuição, a limitação foi ainda maior. Embora o trabalhador consiga somar os pagamentos atrasados como contribuições para a sua aposentadoria, as novas regras impedem, por exemplo, que ao quitar os valores, ele consiga atingir o direito ao benefício.
Segundo o INSS, as contribuições em atraso pagas a qualquer tempo, mesmo após a perda da qualidade de segurado, contam como tempo de contribuição, no entanto, é preciso ficar atento ao chamado fato gerador, que é a data em que o segurado faz o pagamento das contribuições atrasadas.
Segundo a advogada Jane Berwanger, do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), a regra prejudica quem pede a aposentadoria, especialmente aqueles que, durante o processo administrativo do benefício, querem fazer a quitação de períodos em atraso para conquistar o direito a regra melhor.
"Um trabalhador autônomo que pediu o benefício no dia 1º de janeiro de 2020 e, no processo administrativo, ele solicita ao INSS a quitação de dois anos como empresário, entre 2004 e 2005, mas o INSS demora a dar uma resposta e emite a guia de pagamento apenas neste mês. Mesmo que o cidadão pague os valores, a aposentadoria dele irá contar somente a partir da data de pagamento, não da data do pedido", explica ela.
O advogado Roberto de Carvalho Santos, do Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), afirma que a limitação do fato gerador prejudica também quando se trata do pedido de auxílio-doença, por exemplo. Se o autônomo ficou doente antes de pagar o INSS em atraso, mesmo que a doença tenha ocorrido em período em que ele estava trabalhando ele queira acertar essa conta, pode não conseguir o benefício, já que o fato gerador será a data do pagamento.
REFORMA DA PREVIDÊNCIA
A portaria também limita a possibilidade de o autônomo entrar nas regras de transição da reforma da Previdência. Segundo o documento, ao pagar o INSS em atraso, o segurado não pode ser beneficiado pelas regras de transição dos pedágios de 50% e 100%, que estão entre as mais vantajosas.
No pedágio de 50%, o profissional deve trabalhar por mais metade do tempo que faltava para a aposentadoria na data em que a reforma da Previdência começou a valer, em 13 de novembro de 2019. Se faltavam dois anos, será necessário contribuir com o INSS por três anos no total. Entram nesta regra mulheres com 28 anos de contribuição na data de início da reforma e homens com 33 anos de contribuição. Não há idade mínima.
Já no pedágio de 100%, o trabalhador precisa ter a idade mínima de 57 anos, no caso das mulheres, e 60 anos, no dos homens. É preciso trabalhar mais 100% do tempo que faltava para ter o benefício na data da reforma da Previdência.
Para o INSS, neste caso, o fato gerador é a entrada em vigor da reforma da Previdência. Se não tinha os recolhimentos até essa data, não é possível fazer parte do pedágio que traz vantagem, mesmo que o trabalhador comprove que realizou atividade remunerada antes, e apenas atrasou o pagamento das contribuições.
"Essa portaria da presidência do INSS não permite a pessoa fazer o recolhimento para eventualmente satisfazer um requisito, o que é um direito do segurado conforme a lei", explica Santos.
O autônomo ainda pode utilizar os períodos para entrar nas demais regras de contribuição da reforma: por pontos, por idade mínima progressiva e para a aposentadoria por idade.
Os especialistas ouvidos pela Folha acreditam que a questão deverá parar na Justiça, já que o instituto estaria modificando a legislação por meio de portaria, o que seria ilegal. "Você tem a lei 8.212/1991, que a é a lei do custeio. Ela obriga o autônomo a pagar as contribuições, mesmo em atraso, se trabalhou nos últimos cinco anos, pois trata-se de um tributo. A portaria não pode alterar regra de um tributo", afirma Santos.
Além disso, segundo ele, a mesma lei garante ao trabalhador autônomo o direito a fazer a indenização ao INSS em qualquer período, garantindo os seus benefícios previdenciários. "Essa portaria, na verdade, não teria o poder de alterar uma lei que define primeiro a obrigação tributária, depois, o direito. Ela não pode acabar com isso."
Em nota, o INSS afirma que as regras valem para todos os "requerimentos pendentes de análise". E informa que as limitações só não são aplicadas "a título de complementação aos requerimentos de benefícios" dos autônomos, ou seja, quando o trabalhador paga a diferença na contribuição mensal.