A criação de um Imposto sobre Transações Financeiras (ITF) voltará a ser debatida entre governo e Congresso em fevereiro. Com o fim do recesso legislativo, a equipe econômica vai ser requisitada a dizer o que quer na reforma tributária em discussão. E o que deseja o ministro da Economia, Paulo Guedes, é justamente ter uma fonte de arrecadação para desonerar a folha de pagamento das empresas. O novo imposto encontra resistências no parlamento, mas, desta vez, terá ao seu lado congressistas acenando a favor de discutir a inclusão do tributo na redação única a ser criada pela unificação da Proposta de Emenda à Constituição (PECs) nº 45/2019, em tramitação na Câmara, com a nº 110/2019, que está no Senado.
O tema é polêmico. Em setembro do ano passado, custou a demissão do economista Marcos Cintra da Secretaria da Receita Federal pela associação à extinta Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF). Contudo, desde dezembro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a defender a ideia, sugerindo a criação de um ITF em meios digitais, como por aplicativos de celular ou via internet banking. O presidente Jair Bolsonaro, por sua vez, chegou a declarar que “todas as alternativas estão na mesa”.
A retomada da discussão do ITF na metade de dezembro, às vésperas das festividades de fim de ano, foi um balão de ensaio do governo que colou. Não que a medida tenha deixado de ser controversa, mas alguns parlamentares estão acreditando — e outros sendo convencidos pela equipe econômica — de que a proposta pode viabilizar a aprovação da reforma. Tanto as PECs nº 45 e nº 110, bem como sua unificação, provocam, na prática, a elevação de carga tributária para o setor terciário, reconhece o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), vice-líder do governo e de seu partido na Casa.Continua depois da publicidade
Ao contrário da indústria, que faz aquisição de insumos que podem ser usados para geração de crédito tributário, entidades de comércio e serviços projetam que a unificação tributária, com a inclusão do ISS, oneraria o setor, diferentemente da indústria. A contrapartida poderia vir da desoneração da folha de pagamento. A arrecadação do IMF seria destinada a custear a renúncia fiscal — como deseja Guedes. “Seria uma compensação para todos os setores produtivos. Mas, para isso, o governo tem que se posicionar e dizer o que quer”, sustenta Izalci.
Taxa pequena
A equipe econômica trabalha para apresentar o quanto antes sua proposta do IMF. Guedes acredita que a tributação sobre transações financeiras digitais, com uma taxa pequena, para que todos contribuam para desonerar a folha de pagamentos, é o que viabiliza a aprovação de uma reforma tributária possível no curtíssimo prazo. “Com isso, o custo da geração de emprego se torna mais fácil. Hoje, os empresários pensam 10 vezes antes de contratar. As proposições no Congresso aumentam tributo sobre o comércio e serviços, os maiores empregadores”, sustenta um interlocutor do ministro.
Sem o imposto análogo à CPMF, a equipe econômica acredita que nem a unificação de PIS e Cofins, estudada pela pasta, sairia do papel. “O máximo que conseguiríamos fazer seria uma desburocratização, simplificação e eliminação de obrigações acessórias estúpidas, geradas normalmente no ICMS”, diz o interlocutor. Ele cita, como exemplo, a adoção da nota fiscal eletrônica universal igual para todos os estados. “Mantêm-se as regras dos estados, mas a nota fiscal seria única e tudo por sistema eletrônico. Isso é possível”, pondera.
O convencimento político e técnico do IMF não será uma tarefa simples. O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) e autor intelectual da PEC nº 45, apresentada pelo líder do MDB na Câmara, Baleia Rossi (SP), é contrário à ideia de tributar transações a uma alíquota de 2,5%, de acordo com sugestão do Instituto Brasil 200. A sugestão do governo, no entanto, é de uma taxa progressiva entre 0,2% e 0,4%. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também é avesso à medida.
A viabilidade do tributo, contudo, encontra, aos poucos, amparo entre nomes influentes no parlamento. O deputado Hildo Rocha (MDB-MA), vice-presidente da comissão mista criada em dezembro para discutir a unificação das PECs nº 45 e nº 110, se mostra sensível à ideia e vai se colocar à disposição para trabalhar o convencimento, sob pretexto de a reforma não sair. “Estamos abertos a receber as sugestões do governo. Há espaço para discutir a inclusão da desoneração da folha, que pode ser feita pelo calibramento da alíquota do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) ou pelo IMF, que substituiria a tributação da folha. O Rodrigo (Maia) é totalmente contra essa ideia, mas sou simpático a ela”, afirma.
Proposta ficará pronta em março
O governo terá que correr contra o tempo para formalizar sua proposta do Imposto sobre Transações Financeiras (ITF). A comissão mista da reforma tributária está disposta a ouvir as iniciativas da equipe econômica, mas deixa claro, desde agora, que o parecer do relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), será apresentado em março. Até lá, o que pode ajudar a retardar o processo é a falta de consenso para a composição do colegiado e do texto final.
Em dezembro, quando criou a comissão mista, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), estabeleceu que o colegiado seria dividido entre 15 deputados e 15 senadores. A decisão pegou mal, e a Câmara está disposta a não iniciar os debates enquanto o princípio da proporcionalidade não for respeitado. Os deputados entendem que a composição deve ser de um senador a cada cinco ou seis deputados.
Além de divergências quanto à proporção, será necessário chegar a um consenso sobre o esboço da redação única entre a unificação das Propostas de Emenda à Constituição (PEcs) nº 45/2019, da Câmara, e nº 110/2019, do Senado. O principal desafio da reforma tributária não é nem a iminência das eleições municipais, mas, sim, a necessidade de contornar egos e vaidades.