Para cobrir o rombo de R$ 58,2 bilhões no Orçamento de 2017, o governo decidiu acabar com o programa de desoneração da folha de pagamento das empresas de 50 setores, preservando quatro segmentos intensivos em mão de obra, e fazer um corte de despesas de R$ 42,1 bilhões. Foram poupadas as áreas de transporte rodoviário coletivo de passageiros, transporte ferroviário e metroviário de passageiros, construção civil e obras de infraestrutura e comunicação (atividades de rádio e TV, e prestação de serviços de informação, edição e edição integrada a impressão). Com o fim da desoneração, a equipe econômica espera levar aos cofres públicos R$ 4,8 bilhões adicionais este ano. Para isso, será publicada uma medida provisória (MP) que vai vigorar após um prazo de 90 dias (noventena).
Além disso, o governo vai passar a cobrar Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de cooperativas de crédito, que até agora eram livres dessa tributação. Com isso, haverá um aumento de arrecadação de R$ 1,2 bilhão. Segundo o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a desoneração da folha — instituída no governo Dilma Rousseff — foi uma medida que tinha o objetivo de estimular a economia, mas não mostrou os resultados esperados e provocou perdas elevadas para os cofres públicos:
— Corrigimos um processo que veio do passado que ficou conhecido como desoneração da folha de pagamento das empresas. Isso gerava uma perda fiscal para União. A ideia original era que isso ia permitir uma recuperação da economia, mas isso não gerou os efeitos esperados. Agora, eliminamos, na prática, essas distorções.
Ele acrescentou que os setores preservados são intensivos em mão de obra e estudos técnicos mostram que, nesses segmentos, a política surtiu resultados. Por isso, esses setores poderão manter a opção de pagar a contribuição previdenciária sobre o faturamento e não sobre a folha de pagamentos:
— São setores vitais para a preservação do emprego — disse Meirelles.
Sem ajuda dos precatórios
Até a noite de terça-feira, o governo pretendia fazer um contingenciamento menor, de R$ 32 bilhões, no Orçamento, pois contava com a possibilidade de incluir R$ 8,6 bilhões em sua estimativa de receitas com recursos dos precatórios. No entanto, depois de consultar o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade, os técnicos preferiram recuar. Havia uma dúvida sobre se isso não poderia gerar insegurança jurídica. Segundo Meirelles, o corte de R$ 42,1 bilhões poderá ser revertido quando houver uma posição mais clara da Justiça sobre esses precatórios.
O governo teve dificuldades para definir as medidas que seriam adotadas para cobrir o rombo nas contas de 2017. Com uma arrecadação fraca e pouca margem para cortar gastos num Orçamento já enxuto, a equipe econômica foi obrigada a buscar receitas extraordinárias e a propor aumentos de carga tributária, algo que o presidente Michel Temer queria evitar a todo custo.
Nas últimas semanas, o Palácio do Planalto vinha pedindo aos ministérios da Fazenda e do Planejamento que tentassem encontrar formas de assegurar o cumprimento da meta fiscal de 2017, de um déficit primário de R$ 139 bilhões, sem elevação de impostos. Mas foi inevitável adotar medidas impopulares.
Também foi preciso recorrer a decisões judiciais envolvendo a devolução à União de usinas hidrelétricas cuja concessão venceu. Elas devem render R$ 10,1 bilhões este ano. Mesmo assim, ainda faltou dinheiro para fechar as contas. A partir daí, foi preciso definir se o caminho seria um aumento em alíquotas de impostos ou a reversão de incentivos tributários, sendo o principal deles o programa de desoneração da folha de pagamento das empresas.
Politicamente, a avaliação foi de que, apesar da pressão empresarial contra o fim da desoneração da folha, seria mais fácil justificar a decisão de mudar um programa que foi adotado pelo governo anterior e que resultou em perdas significativas aos cofres públicos do que simplesmente elevar tributos. Além disso, o impacto do fim da desoneração sobre as receitas é maior.
Perguntado sobre as dificuldades que o governo pode ter em reverter a desoneração da folha de pagamento das empresas, especialmente diante das reclamações do setor produtivo, Meirelles rebateu:
— Essa medida é compreendida. Ela não é considerada de fato um aumento de impostos. O que existia (por parte do setor produtivo) era uma preocupação com aumentos de tributos generalizados. Isso não aconteceu. Isso está bastante dialogado.
Desenhada como medida de incentivo ao setor produtivo pelo governo Dilma, a desoneração da folha de pagamento representou uma renúncia fiscal por parte da União de R$ 68,710 bilhões entre 2012 e 2016. Para este ano, que deve ser o último de vigência do programa, o Orçamento previa a concessão de R$ 17,030 bilhões em benefícios às empresas de 54 setores da economia.
A política de desoneração da folha de pagamento começou em 2011. Ela substituiu a cobrança de uma alíquota de 20% de contribuição previdenciária sobre a folha de salários por um percentual que variava de 1,5% a 2,5% do faturamento, dependendo do setor empresarial. Originalmente, a ideia era conceder o benefício de forma temporária para segmentos com problemas de competitividade, que haviam sido muito prejudicados pela crise financeira internacional de 2008. Os primeiros beneficiados foram os fabricantes de calçados e as áreas de confecções, móveis e software. No entanto, a política foi sendo prorrogada e ampliada sucessivamente.
Diante do elevado custo do programa, em 2015, o então ministro da Fazenda Joaquim Levy propôs uma revisão da desoneração da folha para tentar reequilibrar as contas públicas. Para isso, foi enviada ao Congresso uma medida provisória (MP) que elevava as alíquotas sobre o faturamento das empresas para até 4,5% dependendo do setor. No entanto, houve resistência no Congresso, e os parlamentares suavizaram os efeitos da MP.