O governo avalia alternativas para tentar reverter a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski, que submeteu aos sindicatos as negociações individuais de trabalhadores e empresas para reduzir jornada ou suspender contrato durante a crise do novo coronavírus.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, uma opção que está sendo cogitada pelo governo é enviar à Corte um pedido de suspensão de liminar, o que anteciparia uma decisão marcada para o dia 16 de abril. A análise do tema ocorrerá agora como nas sessões presenciais do Supremo, mas por meio de videoconferência.
A discussão estava prevista inicialmente para ocorrer no plenário virtual da Corte a partir de 24 de abril, com término no dia 30 de abril, já que os julgamentos na plataforma online - longe dos holofotes da TV Justiça - levam uma semana. O presidente do STF, Dias Toffoli, resolveu na tarde desta terça-feira, 7, antecipar a análise.
Se o governo insistir em pedido de suspensão de liminar, o processo vai automaticamente para apreciação de Toffoli, ao contrário de outras ações, que são distribuídas por sorteio entre os magistrados da Corte. Na prática, Toffoli teria o poder de, numa canetada, anular a decisão de Lewandowski e auxiliar o governo. Por outro lado, a solução está sendo pensada com cautela porque uma medida desse tipo pode gerar intenso desgaste entre os ministros.
A área econômica, porém, está confiante na construção de uma saída. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o governo consultou Toffoli informalmente antes da edição da Medida Provisória que permite a negociação individual para redução de jornada e salário ou suspensão de contrato. Uma fonte da área econômica relatou que o presidente do STF sinalizou que, sendo uma medida temporária e com garantias aos trabalhadores, não haveria razão para o governo se preocupar com a validade do programa.
O presidente do STF é considerado um ministro mais alinhado aos interesses da equipe econômica do governo, enquanto Lewandowski é visto como um ministro que costuma proferir decisões “corporativistas” em prol de servidores e, nesse caso, sindicatos.
O governo desenhou a iniciativa prevendo que as empresas podem negociar diretamente com trabalhadores redução de jornada e salário ou suspensão de contratos. Nesses casos, a União pagará uma compensação que pode ser de até 100% do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito se fosse demitido.
Os trabalhadores que podem, segundo a MP, fazer a negociação individual são aqueles com remuneração até R$ 3.135 ou com ensino superior e salário maior que R$ 12.202,12. Os sindicatos seriam avisados num prazo de até 10 dias, para poderem agir em caso de abusos, mas aplicação do acordo em si não dependeria de qualquer aval de terceiros – uma simplificação agora contornada pela decisão do ministro do STF, que prevê a necessidade de manifestação prévia dos sindicatos.
A avaliação na equipe econômica é de que a derrubada da liminar é urgente para evitar demissões. Vários setores já alertaram o governo que, diante da insegurança jurídica criada pela decisão de Lewandowski, preferem demitir a esperar um aval do sindicato às negociações. Pela liminar, as empresas precisam esperar até oito dias antes de implementar os acordos – esse é o tempo que o sindicato terá para dizer se aceita ou não, ou ainda se prefere deflagrar negociação coletiva. Sem manifestação, as companhias poderiam aplicar o acordo após o fim do prazo.
A ação foi pautada no plenário virtual do STF para começar em 24 de abril e pode se estender até 30 de abril, mas a avaliação no governo é de que não é possível esperar até lá. A insegurança jurídica pode colocar em risco milhões de empregos, na avaliação da equipe econômica.
Sem o programa, o governo estimava 12 milhões de demissões devido à crise do novo coronavírus. Com a MP, a estimativa passou a ser 8,5 milhões de empregos preservados e 3,2 milhões de dispensas – uma balança que poderia se inverter caso a decisão de Lewandowski permaneça de pé.
Em pouco tempo de implementação da MP, o governo registrou quase 8 mil acordos individuais para redução de jornada e salário ou suspensão de contrato. É um número oito vezes maior que as mil negociações conduzidas por sindicatos no mês de fevereiro.
A avaliação é de que a decisão de Lewandowski “engessa tudo”. Mesmo que o sindicato não consiga analisar todos os acordos, a espera de oito dias pode inviabilizar o caixa das empresas. Para uma fonte da área econômica, a liminar retira toda a agilidade pensada pelo governo na formulação da Medida Provisória, que tem vigência imediata mas precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias.
Além disso, há o temor no governo de que os sindicatos usem a decisão como uma espécie de “pedágio” para voltar a cobrar contribuições dos trabalhadores em troca do aval ao acordo. Nesse cenário, as empresas poderiam antecipar as demissões, com risco de atrasarem o pagamento de verbas rescisórias se não tiverem caixa para fazer os pagamentos. “Estamos buscando desarmar uma bomba de judicialização no futuro”, diz uma fonte da área econômica.
A ação da Rede Sustentabilidade questionou a medida do governo uma vez que a Constituição prevê apenas a realização de acordos coletivos entre empregadores e empregados. O governo, por sua vez, entende que não há redução de salário-hora, e que a lei já permite aos empregadores ajustar a jornada – o corte no salário cheio seria decorrência dessa redução das horas trabalhadas.
Até hoje, Toffoli já derrubou sozinho liminares concedidas por Marco Aurélio (restaurou a prisão após segunda segunda instância e a validade de um decreto que facilita o plano de desinvestimentos da Petrobrás) e do próprio Lewandowski (ao manter o veto a entrevistas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a campanha eleitoral do ano retrasado).
Uma eventual decisão do presidente do STF de derrubar mais essa liminar livraria o governo de esperar até o fim de abril por uma decisão do plenário virtual. Essa é uma ferramenta que permite realizar julgamentos sem a presença física dos ministros da Corte – e longe dos holofotes da TV Justiça. No ambiente virtual, não há espaço para as discussões acaloradas que muitas vezes tomam conta do plenário físico - cada ministro apenas registra o seu voto com um clique. As sessões virtuais duram uma semana e se tornaram mais frequentes durante a presidência de Toffoli em um esforço para desafogar a Corte.