Uma trava legal está fazendo com que segurados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) que buscaram a Justiça para conseguir benefícios por incapacidade, como auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, sigam sem resposta para seus pedidos. O motivo é a falta de pagamento das perícias médicas judiciais, o que faz com que processos estejam suspensos em todo o país.
De acordo com a lei 13.876, de 2019, o pagamento das perícias médicas judiciais em processos de benefícios por incapacidade nos quais o INSS é parte deveria ser feito pelo Poder Executivo por até dois anos, ou seja, até 2021. O prazo venceu em setembro e, desde então, não está ocorrendo pagamento dos médicos para que exames periciais sejam feitos.
O secretário do Tesouro Nacional, Paulo Valle, afirmou que, se houver demanda para o pagamento de perícias, o governo vai analisar e ajustar. "Dentro da programação orçamentária, existe um espaço de crédito adicional para despesas com Previdência em geral. Não sei se está incluída necessariamente essa questão da perícia. Mas tem uma previsão de aumento de pagamento de benefícios, aumento de pagamento de BPC [Benefício de Prestação Continuada]. Eu não tenho certeza se essa parte de perícias está incluída, mas com certeza é um tema ajustável. Para 2021, se tiver demanda do órgão setorial, a gente vai analisar e ajustar", disse.
Procurados, a Secretaria de Previdência e Trabalho e o Ministério da Economia não responderam até a publicação desta reportagem.
A perícia é necessária para determinar a incapacidade do segurado para o trabalho, seja ela temporária ou permanente. Nos casos de auxílio-doença previdenciário e de aposentadoria por invalidez, o exame é feito na Justiça Federal. Já nos casos em que o benefício é considerado acidentário, ou seja, proveniente de acidente ou doença do trabalho, a ação corre na Justiça Estadual. Desde 23 de setembro, não há liberação de verba em nenhuma das esferas judiciais.
Segundo Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), como não há orçamento, os juízes estão sobrestando as perícias, à espera de uma solução para o caso. "A Justiça Federal não tem dinheiro para pagar, pois não ficou definido de onde vai sair esse dinheiro. As perícias estão paradas, aguardando uma decisão", diz ela.
A advogada Lais dos Santos, do escritório Patricia Santos Advocacia, afirma que há casos nos quais os peritos estão fazendo os exames, mesmo sem previsão de receber, com a certeza de que terão o pagamento assim que a situação for resolvida. "Como há essa brecha da lei, a Justiça está indo por dois caminhos, ou os processos estão sendo suspensos, ou há casos em que a perícia segue sendo feita mesmo sem um prazo real de recebimento."
O presidente do Ieprev (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), Roberto de Carvalho Santos, diz que há ainda casos de segurados que, quando podem, pagam a própria perícia, mas isso é raro, já que a maioria que busca a Justiça está sem trabalho e sem renda e o exame custa entre R$ 300 e R$ 370.
Para ele, os peritos que assumem a perícia sem saber quando vão receber estão "fazendo um ato nobre", porque não há garantia de pagamento no futuro. "É uma situação bem complexa, porque não há hoje qualquer previsão legal de quem vai pagar por esses exames."
Mesmo nas situações em que o segurado custeia a perícia, segundo ele, ao fim do processo, pode ser que o trabalhador não receba do INSS o que foi gasto, já que não há previsão legal para isso, apenas nos casos em que o segurado é beneficiário da Justiça gratuita. "Não sabemos se, no final, o juiz vai condenar o INSS a pagar. Como tem essa lei federal que diz que a responsabilidade não é do Executivo, a cobrança perde a eficácia."
O advogado Rômulo Saraiva afirma que, independentemente da trava legal, nos últimos anos, tem faltado fôlego financeiro ao governo para fazer os repasses das perícias no final do ano, o que estaria ligado ao aumento das demandas judiciais para ter benefícios por incapacidade.
PROJETO QUE PREVÊ PAGAMENTO ESTÁ PARADO
De acordo com Adriane Bramante, a situação teria sido facilmente resolvida se o projeto 3.914, de 2020, já tivesse sido aprovado no Congresso. A proposta passou em votação na Câmara dos Deputados e chegou ao Senado no início de setembro deste ano, mas, como houve diversas mudanças por parte dos deputados, que inseriram os chamados jabutis, o senador designado para ser relator a medida, Luis Carlos Heinze (PP-RS), deixou a relatoria.
Sem relator, o projeto não avança. "O relator devolveu a relatoria porque não tem condições de aprovar o texto que veio da Câmara e o governo não quer negociar", afirma o senador Paulo Paim (PT-RS), que realizou audiência pública para debater o tema no dia 13 de setembro.
Segundo ele, os debates temáticos envolveram entidades de defesa dos segurados e dos peritos, além de representantes do governo, mas o Executivo não quer negociar. "O PL 3.914 não tem como ser aprovado. O texto que chegou ao Senado é um absurdo. Querem que os trabalhadores mais pobres paguem pelas perícias médicas", diz o senador.
Em 20 de outubro, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, no julgamento da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.766, que trabalhadores com direito à Justiça gratuita não devem arcar com pagamentos de custas processuais. Para o IBDP, a decisão do Supremo deixa claro que o segurado não deveria ter gastos como os das perícias.
Em nota técnica sobre o projeto de lei 3.914, o instituto afirma que "não entende ser razoável ou proporcional o estabelecimento de critérios específicos para a realização de perícias médicas em processos judiciais em que o INSS seja parte", mas que apoia a aprovação de projeto que resolva a situação.
Em comunicado, o CJF (Conselho da Justiça Federal) confirma que o prazo para que o Executivo continuasse a efetuar os pagamentos se encerrou em 23 de setembro de 2021. Segundo o órgão, que é responsável por receber os recursos do governo e repassar aos TRFs (Tribunais Regionais Federais), as perícias marcadas até 23 de setembro cujo empenho da despesa ocorra até 31 de dezembro de 2021 serão pagas, conforme as "programações financeiras mensais dos tribunais regionais federais".