A 2ª Vara Cível do Ipiranga, em São Paulo, determinou que uma filha que geria e administrava os bens e negócios da mãe, por poderes conferidos por meio de procuração pública, terá de restituí-la em R$ 213.415,93, acrescido de correção monetária e juros.
No caso dos autos, a mulher geriu e administrou os negócios, bens e interesses da genitora entre 8 de novembro de 2006 e 10 de setembro de 2015, mediante poderes conferidos por procuração pública. A ação considera que não foram apresentadas contas na forma prevista pelo artigo 551 do Código de Processo Civil – CPC, além de estarem desacompanhadas de documentos comprobatórios.
Conforme o laudo pericial, não obstante o grande número de documentos, poucos se prestam de fato à prestação de contas, que exige deles autenticidade, assertividade e fidedignidade.
A decisão considera que, “diante da inconsistência documental, fez-se necessário confrontar as argumentações das partes com os fluxos financeiros dos extratos bancários da autora, de modo a averiguar a possibilidade de alguma vinculação entre eles”.
“Foram, assim, considerados como elementos probantes tão somente aqueles para os quais haja uma movimentação financeira correspondente. Em outras palavras: a juntada de extratos, por si só, não basta para comprovar as despesas alegadas. E a documentação tampouco é capaz de comprovar o manejo dos valores advindos dos proventos de aposentadoria da autora pela requerida ou por outro dos parentes de ambas", registrou a decisão.
De acordo com o perito, inexiste prova de que a autora tivesse rendimento ou aplicação no montante de R$ 572.583,13, valor constante das contas por ela apresentadas. O especialista destacou, ainda, que da venda do único bem imóvel, provieram, conforme declaração de bens e direito do IRPF do ano calendário de 2011, R$ 153.955,26.
A conclusão, conforme metodologia utilizada, apurou que, dos valores sob gestão da ré, não há comprovação de utilização de R$ 213.415,93 que devem, portanto, ser restituídos à autora.
Ao avaliar o caso, a juíza ressaltou que “as alegações constantes da impugnação parcial da ré representam mera discordância com a conclusão estampada no laudo, sem o condão de alterar o seu resultado, devendo prevalecer o quantum indicado pelo expert”.
Vulnerabilidade
O advogado Igor Florence Cintra, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM que atuou no caso, entende que a decisão é acertada. “Não somente reconheceu a obrigação da filha em prestar contas à sua genitora sobre a utilização de suas economias e benefícios enquanto geria seus bens, como também fixou valor para restituição dos gastos realizados inapropriadamente.”
“A decisão é de extrema relevância para o cenário atual do Direito das Famílias, pois é uma questão muito mais comum do que imaginamos. Procuradores, sejam eles filhos, netos ou parentes, muitas vezes se aproveitam da situação de vulnerabilidade de seus pais, avós ou tios, para usufruírem de suas reservas e rendimentos em benefício próprio, deixando-os quase sem recursos para uma subsistência digna na velhice; o que ocorreu no caso concreto”, avalia o especialista.
O advogado ressalta que é dever dos filhos cuidar e zelar pelos pais na velhice. “É uma espécie de retribuição por todos os anos de dedicação aos filhos durante a infância, juventude e, até mesmo na vida adulta.”
“Esperamos que a decisão possa trazer um efeito positivo, fazendo com que os filhos possam repensar a maneira como estão cuidando de seus genitores, em especial de suas finanças, e que estes, por sua vez, saibam que têm o direito de saber como suas economias e benefícios estão sendo geridos”, conclui.