A escassez de matéria-prima impôs um freio ao crescimento da indústria. Insumos como papelão, plástico, alumínio e vidro estão em falta nas linhas de produção, segurando a expansão de muitos segmentos no momento em que a demanda começa a ressurgir.
Segundo levantamento da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), em novembro, 75% das indústrias de transformação no país enfrentaram dificuldades para conseguir insumos. E 54% delas tiveram problemas para atender os clientes.
— Faltam embalagens, plásticos, peças de alumínio e até tecido. No caso do papel, por exemplo, houve queda na coleta de material reciclado na pandemia. Além disso, tem o problema da alta dos preços que atinge toda a cadeia, até chegar ao consumidor — diz Renato da Fonseca, gerente executivo de Economia da CNI.
Na última sondagem da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), entre os itens em falta citados pelas empresas estão: papelão, cobre, materiais plásticos, componentes eletrônicos, aço carbono, latão, alumínio, aço silício e chumbo.
O setor têxtil começou a enfrentar a falta de corantes importados em agosto. Mas agora também estão faltando caixas de papelão para os produtos e os chamados “tubetes” para fabricação das bobinas de fios, que são nacionais. Ainda assim, diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, a produção não parou. Ele afirma que o problema é de sincronia na entrega dessas matérias-primas:
— A economia parou de forma abrupta e voltou mais rápido do que se esperava. Portanto, a partir de agosto, tivemos problemas de atrasos na entrega dessas matérias-primas, mas não de forma absoluta. É um problema de timing na entrega. Mas acredito que, se tudo estivesse normal, as indústrias têxteis poderiam ter faturado entre 10% a 15% mais. Não vão faltar produtos têxteis para os brasileiros neste Natal.
Ele acredita que, ao longo do primeiro trimestre de 2021, a situação já estará ajustada, inclusive com os estoques refeitos. O setor, que demitiu mais de 80 mil pessoas durante a pandemia, começou a contratar. Já são 50 mil vagas repostas, mas o ano deve terminar no vermelho em termos de emprego. O que preocupa, diz ele, são as incertezas em relação a 2021, como a falta de sinalização se haverá continuidade do programa de auxílio emergencial ou algo similar, o que deve impactar a economia.
No início da semana, a Anfavea, associação que reúne as montadoras, alertou que a falta de insumos, matérias-primas e peças pode levar a indústria automobilística a paralisar a produção neste mês.
No setor de medicamentos, o Sindusfarma informa que não há falta de matéria-prima importada para os medicamentos, mas há problemas de fornecimento e aumento de preços de insumos nacionais, como o papelão para embalagens, que está em falta.
Setor ficará aquecido
A Abividro, associação que reúne as 17 empresas fabricantes de vidro do país, informa que não há falta de matéria-prima para a produção, mas sim de produtos como garrafas de cerveja e bebidas alcoólicas em geral e potes para geleias e compotas. Lucien Belmonte, presidente-executivo da entidade, observa que a demanda por esses produtos está mais aquecida que a oferta:
— Com a pandemia, as pessoas ficaram mais casa, o consumo cresceu e houve descasamento entre demanda e oferta de garrafas e potes. Para outros setores que usam vidro, como cosméticos, indústria automobilística e construção civil, não falta vidro.
Vinícolas e fabricantes de cerveja já sentem o impacto da falta de garrafas, que restringe o aumento da produção.
Apesar desse cenário, as empresas não têm planejamento de novos investimentos previstos para 2021 no sentido de aumentar a produção.
— As previsões para o dólar em 2021 variam de R$ 4,20 a R$ 7. Como fazer planejamento nesse cenário? O maquinário da indústria de vidro é importado — diz Belmonte.
Na indústria química, não houve problemas de falta de matérias-primas oriundas do petróleo, nafta e gás, segundo Ciro Marino, presidente-executivo da Abiquim, entidade que representa as empresas químicas.
Mas o setor químico trabalha em conjunto com outros 16 divisões industriais, entre eles construção civil, aço, plásticos, têxteis. Nesses segmentos, Marino teve relatos de falta de insumos como polipropileno, PVC e polietileno, entre agosto e novembro.
- Tanto que a importação de PVC dobrou em novembro em relação a novembro de 2019. Mas na virada entre novembro e dezembro, já não havia mais pedidos desses insumos pendentes, segundo esses setores - disse Marino.
O economista Silvio Campos Neto, da consultoria Tendências, avalia que essa falta pontual de matéria-prima acaba atrapalhando a retomada da economia, afinal, é produção que deixa de ser realizada. Mas, ao mesmo tempo, gera a necessidade de recompor estoques:
— A redução de estoques tende a manter a indústria aquecida no primeiro trimestre de 2021.
O economista diz que o descasamento entre demanda e oferta aconteceu por uma série de fatores. No Brasil e no mundo, os governos deram estímulos (como o auxílio emergencial) que sustentaram o consumo. E, na pandemia, a demanda migrou de serviços para bens, o que levou à escassez de alguns produtos.
Pressão sobre os preços
Pelo lado da oferta, a China, uma das grandes fornecedoras de insumos e peças, fechou regiões produtivas durante a pandemia, interrompendo o ciclo de produção. Outros países fornecedores de matérias-primas também tiveram paralisações com o fechamento da economia.
— A falta de matérias-primas, insumos e peças aumenta a pressão sobre os preços, levando à inflação. Mas acredito que será temporário, até que se recomponha a produção. A desvalorização recente do dólar, com um cenário externo mais favorável, também alivia o efeito câmbio sobre os preços — explica Campos Neto.
O mercado de alumínio ainda está na fase de recomposição da produção.
— Em abril, a indústria não tinha previsibilidade do futuro, e todo mundo queria caixa. Então, as empresas resolveram vender seus estoques para sobreviver. Isso ainda está se ajeitando — explica o presidente executivo da Associação Brasileira do Alumínio (Abal), Milton Rego.
A falta de resina no mercado levou a fábrica de potes e frascos para cosméticos e alimentos São Sebastião, em Nilópolis, na Baixada Fluminense, a reduzir a produção pela metade em setembro e outubro. Segundo o dono, Júlio César Coelho, isso fez o faturamento cair em torno de 30% no período:
— As áreas de alimentos e beleza tiveram muita demanda durante a pandemia. Existia o pedido, só que eu não tinha como entregar. Não fechei a fábrica por pouco.
Ele diz que a entrega de matéria-prima está voltando ao normal aos poucos, mas o preço está muito alto:
— Segurei o preço do que ainda tinha em estoque, mas, nas últimas vendas, tive que repassar parte do aumento da matéria-prima.