Uma falha na sincronização de dois sistemas usados nas perícias para concessão de benefícios por incapacidade do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) resultou na negativa de auxílios-doença que tinham sido aprovados pelos médicos, segundo a ANMP (Associação Nacional dos Peritos Médicos Federais).
Em ofício encaminhado na quarta-feira (12) ao ministro Onyx Lorenzoni, do Trabalho e Previdência, a entidade diz que milhares de segurados tiveram o indeferimento automático e indevido de seus benefícios por incapacidade.
O INSS diz ter identificado uma instabilidade na concessão automática de benefício por incapacidade, junto com a Dataprev (empresa de processamento de dados), que já teria corrigido o problema. A falha, segundo o instituto, resultou no reprocessamento de 6.173 pedidos nos dias 8 e 9 de janeiro.
O erro, de acordo com a ANMP, estaria ocorrendo na integração de dados entre o sistema usado na perícia, o Sabi (Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade), e o Cnis (Cadastro Nacional de Informações Sociais), que é arquivo básico do INSS, onde são registrados os vínculos de emprego do trabalhador, suas contribuições e eventuais afastamentos.
Todos os dados da perícia inicial são lançados no Sabi, que é interligado ao Cnis. A falha na comunicação entre as duas bases estaria levando às negativas, mesmo quando o perito considerou que o segurado tinha direito ao benefício.
Os médicos peritos afirmam, no documento enviado ao governo, que além do indeferimento automático, o sistema usado para o lançamento das informações coletadas pelo profissional a partir dos relatórios médicos e da consulta pericial não está permitindo a caracterização do tipo de benefício.
Esse bloqueio impede que o médico informe, por exemplo, se aquele benefício por incapacidade é de natureza ocupacional, ou seja, se ele tem origem em acidente ou doença do trabalho. Para essa classificação, o perito precisa incluir no sistema a CID (classificação internacional de doenças) e o Cnae (classificação de atividades econômicas).
"É inadmissível que um grave equívoco como esse permaneça em vigor e continue prejudicando os segurados e colocando os servidores em risco, por passarem a ser alvo da indignação dos cidadãos mesmo sem ter dado causa ao indeferimento", diz a associação, em nota.
A advogada Priscila Arraes Centeno diz que o problema é muito similar ao ocorrido em abril do ano passado, após uma atualização dos sistemas. Na época, cerca de 650 mil pedidos ficaram sem resposta porque o sistema do INSS acusava erro em dados ou a falta de alguma informação.
"O sistema acusa divergência de informação. Para conceder o benefício, o sistema precisa checar carência e qualidade de segurado [número mínimo de contribuições para ter a cobertura previdenciária]. Nesse erro, mesmo com a incapacidade reconhecida pelo perito, o benefício não é concedido", diz.
Em 2021, foi necessária a adoção de um procedimento chamado acerto pós-perícia, por meio do qual o segurado, após a consulta para avaliação da incapacidade, acessava o sistema e corrigia eventuais erros do cadastro.
A entidade que representa os médicos diz que o erro fez com que as perícias fossem inócuas, "o que representa inequívoco desperdício de verbas públicas."
Para quem passou por perícia no INSS recentemente, a advogada Priscila Centeno recomenda atenção ao aviso de indeferimento, que traz informações às quais o trabalhador deve ficar atento. Se a negativa for por questões administrativas, como a falta de qualidade de segurado, isso estará informado no relatório de resultado da perícia.
Outro dado importante é o tipo de benefício. Um b-31 é um auxílio-doença comum, um b-91 é um auxílio-doença acidentário, quando o afastamento tem relação com o trabalho exercido pelo segurado. Se, na avaliação do segurado, seu benefício não saiu com o código correto, o ideal é entrar com uma revisão.
No pedido de reavaliação, que é feito no site do INSS ou no aplicativo do instituto, a advogada Priscila Centeno recomenda ainda que o segurado inclua a CID de sua doença, informação que deve constar no atestado médico, e o Cnae da empresa em que trabalha.
É possível consultar esse código a partir do CNPJ da empresa no site da Receita Federal.
Na nota publicada na quarta em seu site, a ANMP diz que enviará ofícios também ao MPF (Ministério Público Federal), ao TCU (Tribunal de Contas da União) e à CGU (Controladoria-Geral da União) para que sejam apurados "atos de ingerência praticados pelo antigo presidente do INSS, que foi incapaz de corrigir esse erro sistêmico durante o período em que esteve à frente da autarquia."