Principal programa de renúncia fiscal do país, o Simples Nacional distorce o conceito de micro e pequena empresa, ao beneficiar pessoas jurídicas com faturamento de quase R$ 5 milhões anuais, e não gera resultados de formalização que justifiquem seu custo para o país.
A avaliação faz parte do estudo “Qualidade dos gastos tributários no Brasil: o Simples Nacional”, elaborado pela Escola de Direito de São Paulo e pelo Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da FGV).
De acordo com o pesquisador Leonel Cesarino Pessôa, um dos organizadores da pesquisa, o teto de regimes simplificados na maioria dos países dificilmente ultrapassa US$ 100 mil (pouco mais de R$ 400 mil ao câmbio atual).
Entre as economias com regimes simplificados de tributo único, o México se aproxima desse valor. África do Sul, Turquia e Itália estão abaixo.
Pessôa defende um limite próximo de US$ 20 mil (pouco mais de R$ 80 mil). É que se vê no Canadá, em Israel e em Portugal, que limitam o benefício aos tributos sobre o consumo para essa faixa.
No Brasil, o Simples incluiu microempresas, com faturamento de até R$ 360 mil (valor próximo dos US$ 100 mil), mas também dá tratamento diferenciado para companhias de pequeno porte, com limite de R$ 4,8 milhões.
De acordo com o estudo da FGV, o país com regime especial que possui limites para o tratamento diferenciado superior ao do Brasil é a Hungria (cerca de 40% maior), mas que aplica alíquotas mais elevadas.
O limite de US$ 20 mil é semelhante ao do programa do MEI (Microempreendedor Individual) no Brasil, aplicado para quem tem faturamento anual inferior a R$ 81 mil.
O MEI é um programa mais restrito que o Simples, pois só permite a contratação de um funcionário, com remuneração máxima de um salário mínimo ou o piso da categoria.
Atualmente, há no Brasil 14,3 milhões de empresas no Simples e 9,2 milhões de MEIs.
Pessôa diz que nunca foi feita uma avaliação por parte do governo sobre os benefícios do programa. Há, no entanto, estudos que questionam os efeitos na geração de empregos e a real necessidade de o sistema ser tão abrangente.
O pesquisador defende a manutenção do Simples, mas com alcance mais restrito.
Em sua avaliação, o modelo atual acaba por beneficiar parcela da população de alta renda que deixa de ser contratada formalmente para pagar menos tributos por meio de uma pessoa jurídica. Muitas dessas empresas nem possuem funcionários.
“Os médicos contrataram mais funcionários em suas clínicas quando a passaram a ter o tratamento tributário diferenciado? Os advogados contrataram mais funcionários em seus escritórios?”, questiona Pessôa.
Segundo os pesquisadores, os poucos estudos acadêmicos sobre o tema mostram que o ganho de arrecadação com a formalização dessas empresas é menor do que a perda de receita com a migração de companhias já formalizadas para o Simples, que passam a pagar menos tributos.
Os pesquisadores citam ainda estudos que mostram que nem todas as empresas estão gerando mais empregos por conta do regime diferenciado.
“Se o maior potencial na criação de empregos for o fundamento [para o benefício], o tratamento diferenciado deveria se limitar àquelas empresas efetivamente capazes de gerar mais empregos”, dizem os pesquisadores.
“O tratamento tributário diferenciado a toda e qualquer MPE acaba beneficiando empresas não competitivas e não gerando emprego adicional que compense a perda de arrecadação com o programa.”
Os pesquisadores destacam que o Simples tem como principal efeito positivo para a economia brasileira permitir que empresas de menor porte reduzam os custos gerados pelo sistema tributário nacional. Sistema é a maior renúncia tributária do governo federal
O Simples Nacional é o gasto tributário de maior participação no valor total (28,5%), seguido pelos Rendimentos Isentos e Não Tributáveis do Imposto de Renda Pessoa Física (10,5%), a Desoneração da Cesta Básica (9,9%) e a Zona Franca de Manaus (8,1%).
Criado em 1996 no âmbito federal, o programa foi reformulado em 2006, quando passou a incluir tributos de todos os estados e municípios.
Desde 2006, a renúncia fiscal cresceu 441% acima da inflação, devido ao aumento do teto de enquadramento e do tipo de empresa que pode fazer o recolhimento simplificado.
São quase R$ 90 bilhões, o equivalente a 1,2% do PIB (Produto Interno Bruto), mais de dez vezes o gasto de países como Chile, México, África do Sul, Argentina e Índia em relação ao tamanho dessas economias emergentes, segundo dados do Banco Mundial.
Dados da Receita mostram que 22% da renúncia do Simples vão para a indústria e 78% para o comércio e serviços.
O presidente do Simpi (Sindicato da Micro e Pequena Indústria de São Paulo), Joseph Couri, diz que, ao contrário do que diz o estudo, outros países possuem incentivos tributários relevantes para MPEs, além de terem legislações de proteção a essas empresas.
“Em outros países você tem um apoio incondicional à micro e pequenas empresas”, afirma. “No Brasil, somos um dos maiores empregadores do país e os grandes responsáveis pelo mercado interno.”
Couri afirma existir uma movimentação do governo para acabar com o Simples e cita o aviso da Receita Federal que pode excluir o equivalente a 5% dessas empresas do sistema em 2020 por conta da cobrança de tributos.