A proposta do governo federal de criar um tributo para transações eletrônicas não é bem avaliada por especialistas. Tributaristas afirmam que, pelo que se sabe até o momento, o novo imposto que deve ser proposto pelo governo até o fim de julho, com alíquota entre 0,2% e 0,4% sobre as transações, pode ter impacto negativo em um momento de recessão.
Na quarta-feira, o ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu a ideia, como opção para reduzir os encargos na folha de pagamento das empresas. Ele também rebateu críticas de que o tributo seria regressivo e teria maior impacto sobre os mais pobres.
Embora o discurso da equipe econômica seja o de tributar novas formas de consumo e interação — como serviços de streaming —, na prática o que pode ocorrer, segundo especialistas, é uma recriação da CPMF.
O tributarista Fernando Facury Scaff, sócio do Silveira Athias Advogados e professor da São Francisco (USP), afirma que criar tributos sempre é ruim, mas agora, em meio à crise provocada pela pandemia, seria o pior momento:
— É como ir ao supermercado com fome — afirma.
Sem mudar a estrutura
Seu temor é que, neste momento, o governo pense apenas na arrecadação, e não em uma real reestruturação tributária do país:
— Novamente, a proposta é taxar o consumo, que já é muito sobretaxado, e não mudar a estrutura dos impostos do país.
Scaff afirma que, em tese, a proposta do governo de taxar o mundo digital — como novos serviços de streaming, conferências eletrônicas e gigantes do setor — faz sentido e é discutida seriamente na Europa, por exemplo.
Mas o que ele vê é uma “CPMF disfarçada”, da qual estão excluídas as transações em dinheiro vivo, que estão em queda em todo o mundo.
Elevaria regressividade do sistema tributário
Além de taxar o comércio eletrônico, a indicação de que transações financeiras, como aplicações em Bolsa de Valores e em Certificados de Depósitos Interbancários (CDIs), seriam incluídas reforça a visão de que se trata da retomada da CPMF.
— As notícias apontam para a recriação de uma CPMF mais restrita, o que não é bom para a economia, pois este tributo aumenta a regressividade de um sistema que já é extremamente regressivo. Não é simples tratar da substituição da tributação sobre a folha de pagamento, mas o ideal seria pensar em novas alternativas, como a renda, e não o consumo, novamente — diz Carla Mendes Novo, professora do Núcleo de Tributação do Insper.
Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente (IFI), do Senado, não acredita que o novo tributo conseguirá de fato uma forte desoneração da folha, pois para isso seria necessário adotar uma alíquota muito elevada:
— A CPMF é regressiva. Nenhum país do mundo tem imposto como este. Nós já tivemos experiência no passado recente. Arrecadou-se bastante, mas essa foi a única vantagem. E o contexto era diferente. O foco agora deveria ser a simplificação tributária, com propostas como a PEC 45 e a PEC 110 — explica Salto, referindo-se a duas propostas de emenda constitucional que tratam de reforma tributária.
Base ampla no comércio eletrônico
O impacto do novo tributo ainda não foi divulgado. Não está claro como ele afetará transações especificamente da internet, nem qual será sua abrangência no setor financeiro.
A base do comércio eletrônico, no entanto, é grande e não para de crescer. De acordo com dados da Ebit|Nielsen, empresa de análise de dados de e-commerce no Brasil, em 2019 as vendas on-line chegaram a R$ 61,9 bilhões, alta de 16,3% sobre 2018. O resultado do ano passado foi impulsionado pela aumento de 21% no número de pedidos, para 148 milhões, e de 9% no de novos consumidores, ou seja, mais 10,7 milhões.
A pandemia ampliou o segmento: de acordo com a Confederação Nacional do Comércio (CNC), no primeiro semestre deste ano, impulsionadas pelo isolamento social, as vendas online no país saltaram. Somente em junho, o salto foi de 72% sobre o mesmo mês do ano anterior, segundo o economista da CNC, Fábio Bentes.