O argumento do Ministério da Economia de que é necessário criar uma nova CPMF para promover a desoneração da folha de pagamento é questionado por especialistas na área tributária.
Para economista e tributaristas ouvidos pela Folha, substituir a contribuição patronal para o INSS pelo tributo sobre movimentação financeira é uma solução ruim e que piora o ambiente de negócios.
Mesmo quem avalia a CPMF como tecnicamente possível afirma que há alternativas para promover a desoneração e gerar empregos, como a distribuição dessa arrecadação entre tributos sobre renda, patrimônio e consumo.
O Ministério da Economia tenta convencer o presidente Jair Bolsonaro, que já descartou várias vezes a volta da CPMF, a trocar a contribuição paga pelas empresas por um tributo sobre movimentações financeiras de aproximadamente 0,40% (0,20% no crédito e 0,20% no débito).
José Roberto Afonso, professor do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), diz que o governo acerta em colocar a tributação da folha como um problema mais grave que a tributação do consumo.
“Agora, esse acerto se perde quando coloca a CPMF como alternativa única. Aliás, parece que está mais preocupado em recriar a CPMF do que em resolver o problema da folha.”
Ele afirma que, em outros países, a desoneração passou pelo aumento dos tributos em geral. “Ninguém usou ou sequer pensou em usar a CPMF como alternativa.”
O professor Aloisio Araújo, da FGV e do Instituto de Matemática Pura e Aplicada, diz que taxar movimentações financeiras em até 0,40% é tecnicamente viável, mas politicamente difícil.
Ele defende como opção reduzir ou extinguir alguns desses tributos, como Salário-Educação e contribuições para o Sistema S, sem que haja compensação. No caso do Sistema S, o governo já propôs um corte de 20% na contribuição.
“Se o PIB começa a crescer de forma razoável e a dívida fica estabilizada, está na hora de pensar em redução da carga tributária, tirar impostos sem contrapartida”, diz.
Araújo vê ainda a possibilidade de reduzir parcialmente a contribuição patronal criando um sistema de tributação por faixas, como já ocorre com os trabalhadores, inclusive com isenção sobre a parcela mais baixa dos salários.
Para compensar a arrecadação, o economista cita a proposta do governo de acabar com isenções sobre algumas aplicações financeiras e mudar regras do Imposto de Renda para alcançar quem é contratado como pessoa jurídica.
Kleber Castro, sócio da Finance Consultoria Econômica, também diz que o governo acerta ao discutir a questão da folha de pagamento, principalmente diante das novas relações de trabalho que não passam pela CLT, mas não vê a nova CPMF como alternativa.
“A tributação sobre o emprego tende a diminuir com a economia digital. Todos os países estão se deparando com isso. A Europa discute como tributar a economia digital, a economia sem emprego. Mas não é necessário trocar isso por um tributo comprovadamente ruim. A gente pode pensar em uma redistribuição da folha para tributos de qualidade.”
Ele cita como opções tributos já existentes sobre a renda e o patrimônio. Inclui ainda na lista o IVA (Imposto sobre Valor Agregado), previsto nas propostas de reforma tributária que unificam a carga sobre bens e serviços e tramitam hoje no Congresso.
Castro diz que tributos nos moldes da CPMF também tendem a perder o potencial de arrecadação com mudanças no sistema financeiro, como o uso de criptomoedas e aplicativos de pagamento que não passam pelo sistema bancário.
“A Venezuela é o único país do mundo que adota esse tipo de tributo [sobre pagamentos] com fins de arrecadação. Não é um bom parâmetro.”
José Andrés Lopes da Costa, sócio do escritório Chediak Advogados, também diz que há opções melhores para desonerar a folha, reduzindo a alíquota patronal e tentando unificar ou acabar com as contribuições do Sistema S, “uma caixa-preta que acaba custando 3,3% do salário”.
“Simplificar e racionalizar os encargos sobre o emprego já desoneraria as empresas sem ter de criar a nova CPMF. Ela onera toda a cadeia produtiva, pobres e ricos da mesma forma, não é justo.”
A Receita Federal lista 20 contribuições sobre a folha, pagas por governos, empregadores privados e empregados, com arrecadação de R$ 555 bilhões em 2016, um quarto da receita tributária.
Contribuições para a previdência dos setores público e privado, para o FGTS, para o Sistema S e o Salário-Educação respondem por 97% do valor. O alvo do governo é a contribuição patronal de 20% para o INSS (R$ 200,6 bilhões).
O estudo da Receita mostra que a tributação da folha era de 8,5% do PIB no Brasil em 2016, abaixo da média da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), de 9,8%.
A comparação internacional foi feita pela própria Receita, que escolheu o grupo de países que têm, na média, carga tributária total semelhante à brasileira, em torno de 33% do PIB.
Na América Latina a carga média é de 3,7% do PIB. A mais alta é a do Uruguai (8,9%), seguida por Brasil (8,5%), Costa Rica (8,2%) e Argentina (6,8%).
No Chile, que adotou o sistema previdenciário de capitalização para grande parte da população, é inferior a 2%.