O número de empreendedores aumentou durante a pandemia, mas isso não significa que o Brasil tenha se tornado no último ano um terreno com mais oportunidades para abrir um negócio e fazê-lo crescer.
"O empresário que tem um sonho, uma ideia fantástica, quase não existe. Ele é muito menos comum do que aquele que aprendeu a fazer bolo para aumentar a renda da família", diz Carlos Arruda, diretor-executivo do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral.
O número de MEIs, microempreendedores individuais, subiu 20% em 2020, chegando a 11,9 milhões —enquanto a soma de todas as outras modalidades de empresa resulta em 7,6 milhões de CNPJs.
Arruda classifica os MEIs como nanoempreendedores, que muitas vezes não se veem como empresários. Entre eles, estão brasileiros que perderam o emprego ou não conseguiram se inserir no mercado de trabalho.
Mais de um terço da população adulta do país está envolvida com alguma atividade empreendedora, segundo o estudo GEM (Global Entrepreneurship Monitor), publicado no ano passado. Boa parte ainda está no início: 23,3% dos entrevistados comandam uma empresa com até três anos e meio de operação.
Para 88,4% dos empreendedores ouvidos pela pesquisa, abrir o próprio negócio é uma forma de ganhar a vida.
O Brasil ocupa a quarta colocação na proporção de empreendedores na população adulta, entre 50 países analisados pelo GEM. Uma grande parcela deles, porém, está na informalidade.
Uma pesquisa do Sebrae feita em 2018 aponta que 71% dos donos de negócio não possuem CNPJ. Destes, 95% também não têm funcionários.
A taxa de informalidade ainda é alta porque muitos têm dificuldade para pagar a taxa mensal do MEI (entre R$ 56 e R$ 61) ou não contam com instrução para entender os benefícios de se regularizar, afirma Tales Andreassi, vice-diretor da Escola de Administração de Empresas da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas).
"O MEI é fácil de abrir e dá ao profissional todas as garantias, como salário-maternidade, auxílio-doença e aposentadoria", diz Carlos Melles, presidente do Sebrae.
A deficiência na educação impacta também a produtividade dos empreendedores brasileiros. Os pequenos negócios são 41% menos produtivos do que os grandes, segundo pesquisa da FGV, com dados de 2017.
A saída para esse problema é ampliar o investimento no ensino básico, afirma Fábio Pina, assessor econômico da FecomercioSP.
Na opinião de Melles, a pandemia ajudou o pequeno empresário a perceber que precisa se qualificar. A busca por cursos do Sebrae cresceu 1.300% em 2020, com destaque para conteúdos sobre gestão financeira.
A crise também fez aumentar no ano passado a oferta de crédito às pequenas companhias. Uma das principais iniciativas foi a criação do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte). O Senado já aprovou um projeto para torná-lo permanente, mas ainda falta a votação na Câmara dos Deputados.
Muitos empreendedores, porém, não conseguiram acesso a empréstimos, principalmente em razão da alta demanda. O fim do auxílio emergencial, que manteve de alguma forma o poder de compra da população, também deve agravar a situação econômica.
"Se os recursos para as pequenas empresas acabarem, com o mercado restrito como está, teremos a mortalidade dos negócios", diz Arruda, da Fundação Dom Cabral.
Mesmo em períodos em que não havia uma crise tão profunda quanto esta, o índice de mortalidade das empresas brasileiras já era elevado. Em 2014, segundo o Sebrae, 24,4% das companhias não completavam dois anos de funcionamento. Se forem excluídos dessa conta os MEIs, que têm baixo custo de manutenção, 44,6% dos negócios morriam antes desse prazo.
"O brasileiro é criativo, é corajoso, mas até demais, porque entra por entusiasmo, sem saber do negócio", diz Carlos Melles, do Sebrae.
Outro grande obstáculo para empreender no país é o excesso de burocracia. Ela aumenta quando o negócio cresce, com mais impostos e a necessidade de ter um contador.
"A legislação é caótica. É impossível os empreendedores a conhecerem inteiramente e isso pode resultar em multas", diz Andreassi, da FGV.
Mesmo com tantos entraves, as empresas que investem em inovação têm espaço para crescer no país. "O Brasil ainda tem muitas oportunidades em educação, logística, infraestrutura. Onde tem problema, tem oportunidade", afirma ele.
Aqui, há muitos investidores atentos às chances de apostar no próximo unicórnio brasileiro --jargão do setor para startups avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais. É o que diz Marcelo Pedroso, coordenador do mestrado profissional em empreendedorismo da Faculdade de Economia e Administração da USP.
"Há ótimas oportunidades para quem tiver um bom projeto de startup, mas é preciso apresentar também bons produtos, modelo de gestão e colaboradores preparados", diz.
Mesmo com a pandemia, os investimentos em startups cresceram 17% em 2020, de acordo com a empresa de análises Distrito Dataminer.
Apesar de pouco numerosos, são negócios importantes para gerar empregos: crescem muito rápido e contratam com frequência.
Mas formar novos negócios inovadores esbarra de novo na deficiência educacional. Eles exigem mão de obra qualificada e pesquisa —não por acaso, é comum que nasçam em universidades.