A lanchonete da esquina, o salão do bairro, o amigo que vendia roupas. Quase todo mundo sabe de algum negócio que sucumbiu à pandemia. De acordo com dados do Mapa de Empresas, ferramenta desenvolvida pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial (DREI) com o Serpro, do Ministério da Economia, cerca de um milhão de cadastros de pessoa jurídica (CNPJ) foram fechados no ano passado, mas esse número pode ser bem maior.
Muitas empresas, principalmente as pequenas, que quebraram estão adiando formalizar o fechamento na Junta Comercial. Boa parte dos empresários não tem dinheiro nem para quitar as obrigações necessárias para decretar oficialmente o fim de seus negócios, como impostos, dívidas e passivos trabalhistas. Outros ainda esperam uma tábua de salvação.
A especialista em finanças da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL), Merula Borges, diz que é difícil precisar quantas empresas estão nessa situação. Mas estima que o número de negócios fechados em 2020 pode ser até 13% maior que o oficial. Seriam cerca de 130 mil empresas que pararam de funcionar, mas mantêm o CNPJ ativo.
Ficam numa espécie de limbo, mascarando as estatísticas já dramáticas da economia.
Ela acredita que este ano deve registrar forte crescimento dos encerramentos de empresas após o represamento. A pandemia ainda não deu trégua, e os empresários enfrentam as cobranças de empréstimos feitos em 2020 sem vendas e novas linhas de crédito.
— As empresas vão fechando, mas não vão dando baixa, então cria-se essa inconsistência nos números. Algumas não encerram tudo por falta de conhecimento de como fazer. Outras, por causa dos custos — diz o advogado Gabriel Quintanilha, especialista em direito financeiro e tributário.
O empresário Guilherme Alvim abriu o café Dear Coffee, em Ribeirão Preto (SP), no fim de 2019. Mesmo adaptado ao delivery e com um empréstimo, não resistiu ao baixíssimo movimento e fechou em novembro. Com o custo alto para fechar, decidiu esperar. Cogita usar o mesmo CNPJ para vender cafés especiais e dar aulas pela internet:
— Pesquisei quanto seria para fechar, e é mais caro do que mudar a atividade. Não vale a pena. É mais fácil manter do que começar do zero.
De acordo com uma pesquisa do Sebrae Rio, mais de 90 mil pequenos negócios fecharam no ano passado no Estado do Rio. Destes, quase metade na área de serviços, seguida por comércio e indústria.
A cervejaria BrewLab, em Niterói, poderia estar nessa estimativa por ter fechado as portas em dezembro, mas continua ativa no papel. O sócio Guilherme Rebelo estica mais um pouco a espera na expectativa de alguma oportunidade de retomar o negócio:
— Ainda há esperança. Eu quero encerrar, mas como o custo de manutenção é baixo, estou vendo se o cenário melhora, se aparece outro sócio ou se alguém se interessa em comprar a marca. A empresa está hibernada e pagando só o custo fixo, que é baixo, de energia, aluguel e IPTU.
Em São Paulo, considerando empresas de todos os portes foram 112.995 registros de encerramento de CNPJs entre fevereiro de 2020 e o mesmo mês de 2021, segundo a Junta Comercial do estado, a Jucesp.
Na Zona Oeste de São Paulo, a Padaria da Esquina, do empresário Edrey Momo, fechou no início deste mês, mas também não deve aparecer nas estatísticas tão cedo.
Dono de uma rede com restaurantes, pizzarias e outra padaria, Momo avalia que é melhor suspender a atividade e depois dar outra finalidade ao mesmo CNPJ em vez de enfrentar a burocracia. Por enquanto, ele vai usar a estrutura para dar apoio à outra padaria, como uma cozinha complementar.
— É impossível fechar uma empresa no Brasil. Já tive 24 negócios, só consegui fechar uma e demorou oito anos. É difícil para encerrar o CNPJ porque tem que verificar em todas as autarquias. Qualquer tributo aberto, seja federal, estadual ou municipal, é impeditivo. Depois tem a questão trabalhista. Se tiver qualquer ação ou protesto de fornecedor, não consegue também.
Para o empresário, o contexto da pandemia torna tudo mais difícil:
— A situação de hoje é desesperadora. Quem pegou (a linha de crédito) Pronampe, está pagando hoje. A prorrogação da MP 936 (que permite acordos de suspensão de contrato ou redução de jornada e salário) não foi assinada. Os bancos públicos pouco podem fazer, os privados não estão nem aí, a prefeitura continua cobrando juros (de impostos atrasados). O problema gira em torno de questões políticas, e nós ficamos no meio.
À espera de uma saída
Segundo Danni Camilo, conselheira do sindicato de bares e restaurantes do Rio, o SindiRio, muitos empresários do setor adiam formalizar o fim do negócio na expectativa de um novo programa de refinanciamento de impostos, como o Refis:
— No nosso setor, tem muita gente endividada. Alguns optam por acumular e depois parcelar a dívida. Outros esperam vender a empresa com dívida porque têm um bom ponto, documentação em dia, coisas difíceis de conseguir. A pandemia piorou algo que já existia. Uma coisa é fechar, outra é ser inexistente.
Merula, do CNDL, aponta que, em meio à quebradeira e alta do desemprego, a abertura de empresas bateu recorde no ano passado. Foram mais de três milhões, sendo que 79,3% são microempreendedores individuais (MEI). É outro fator que aponta para mais fechamentos em 2021:
— Isso mostra que muitas pessoas que ficaram sem emprego fizeram o que chamamos de ‘empreendedorismo por necessidade’, e este tipo de negócio tende a fechar mais, porque costuma ser feito sem planejamento, para se obter uma renda imediata. Para 2021 e 2022, minha leitura é que haverá mais fechamentos em geral, oficiais ou não.
Ela pontua que hoje o processo para o fechamento da empresa em si está mais facilitado, com a digitalização das Juntas Comerciais. O maior entrave é acertar todas as pendências financeiras:
— A dificuldade nesse momento é encerrar dívidas, demitir funcionários e acordos com fornecedores para poder fechar. Alguns estão presos à MP 936. Com isso, hoje há muitos empresários deixando a empresa inativa.
MEI mantido como proteção social
Ângelo da Silva Carvalho e o marido, José Avelino Filho, fecharam a loja Lala Bijus que mantinham no Méier, Zona Norte do Rio, após o fraco movimento do Natal do ano passado, e mantiveram o registo como MEI.
As feiras de bijuterias nas quais vendiam também desapareceram e eles ainda buscam saídas para tentar vender o estoque de peças que produzem. Carvalho diz que pretende manter o CNPJ por causa da contribuição ao INSS como MEI, embutido nos impostos, até a poeira baixar. Ainda vê chance de reabrir.
O gerente de atendimento do Sebrae RJ Leandro Marinho, alerta que quem decide ficar com o CNPJ ativo sem operar, tem que ficar atento com as dívidas e as multas que crescem sobre elas:
– O que vemos é o empreendedor parar e não informar, as vezes por desconhecimento ou por falta de dinheiro. O CNPJ continua ativo gerando dívida com a Receita Federal.
Na prática, o que acontece, segundo Quintanilha, é que muitos preferem manter a dívida no CNPJ do que no CPF:
– Se a empresa for pequena e houver dívida, o débito é transferido para o CPF dos sócios. Já no CNPJ, a cobrança é relativamente lenta. Por isso, as pessoas preferem na pessoa jurídica para deixar ver o que acontece.
Custo de fechar varia
O custo para fechar uma empresa varia muito, segundo os especialistas. Vai depender da natureza do negócio, o tamanho, os registros, a quantidade de funcionários e as dívidas.
A despeito dessas diferenças, em relação aos custos com a burocracia, a contadora Viviane Silva explica que não há cobrança na baixa de MEI, mas que nas empresas pequenas e de médio porte o valor pode ser superior a R$ 2.500, contado as taxas e o serviço do despachante ou contador.
Ela acrescenta que o maior custo, no entanto, vem das rescisões de contrato dos funcionários:
– Fora estes custos, tem as despesas com empregados, que são as mais altas no fechamento de uma empresa. Não é apenas o salário, tem que pagar décimo, férias proporcionais, multa do FGTS, aviso prévio indenizado. Tem que se preparar – acrescenta Viviane, que é também professora de Legalização de Empresas da pós-graduação de Contabilidade da Universidade Veiga de Almeida.