Em julho último, em plena corrida presidencial nos EUA, o então candidato Donald Trump disparou contra sua adversária, Hillary Clinton: "Ela nunca vai reformar Wall Street. Ela é comandada por Wall Street!". Sem entrar no mérito político da coisa, a declaração mostra que muita cobra das empresas algo mais do que o "lucro pelo lucro". É aí que o propósito entra em cena.
Mas o que é exatamente o propósito de uma empresa? É comum que esse conceito seja confundido com o objetivo da empresa, como "vender telefones e eletrônicos" ou "ofertar aulas de inglês". Mas esta é, na verdade, a missão da empresa. O propósito é algo maior.
Levantamento da consultoria LRN (que tem no portfólio empresas como Dell, Kellogg's e NFL) indica que dois terços das empresas consideradas de "alta performance" dão mais valor ao propósito do que ao mero seguimento de regras.
"Qual o sentido de existência dessa empresa? Por que ela foi criada? Se ela deixar de existir, quem vai sentir falta? O Brasil, o mundo vai perder com isso", são alguns questionamentos que podem ser feitos na busca por esta resposta, sugere a consultora Claudia Bittencourt.
Em resumo, propósito é aquilo que você faz para fazer a diferença para a humanidade, ou no meio que você atua. Não confundir com trabalho social. O propósito não pode ser uma ação de um departamento. É algo que só funciona se estiver impregnado na cultura da empresa.
Uma empresa de vestuário, por exemplo, pode se preocupar com a origem dos tecidos, em não causar alergia, ou focar em fazer as pessoas se sentirem bem nas próprias roupas, explica Claudia.
A consultora cita o exemplo clássico da Apple. A empresa criada por Steve Jobs sempre perseguiu algo maior, oferecer um produto com design inovador e alta tecnologia, que facilite a vida das pessoas. Não simplesmente fabricar computadores.
Questão de sobrevivência
Mas o que foi acontecer para o propósito —que não é exatamente um tema novo —assumir este status de imprescindível?
Um dos motivos é a emergência da geração millenial, que dá peso ao propósito na hora de escolher qual marca consumir. Você talvez conheça, ou até seja aquela pessoa que prefere pagar mais caro por uma uma marca que tem responsabilidade social em sua cadeia de produção. É o propósito.
Outro motivo é a velocidade com que os hábitos de consumo tem se transformado, fruto de inovações e mudanças tecnológicas. O produto que a empresa fabrica pode ficar obsoleta, de uma hora para a outra. Mas se ela tem um propósito de, digamos, contribuir com a saúde das crianças no Brasil, tem mais chance de se renovar.
Marketing? Sim. Desde que seja real
Há pouco mais de dois anos, a revista Exame revelou um escândalo: duas famosas marcas, uma de sorvetes e outra de sucos, tinham simplesmente inventado as histórias que davam origem às empresas. Sem relação nenhuma com a realidade.
A iniciativa foi mal vista. Mas deixou um ensinamento: marketing, só se for com respaldo na realidade. Vale para o propósito. De nada adianta uma empresa dizer que é amiga da criança porque financia um projeto social, e depois ser flagrada explorando o trabalho infantil (além de ser um crime).
Por outro lado, empresas que investem em um propósito não só podem como devem utilizar isto em seu marketing. Até porque, se aquele princípio irá guiar todas as ações da empresa, deve estar presente também em sua comunicação.
Não por acaso, 90% das empresas consideradas como de "alta performance" pela LRN hoje trabalham estes valores nas estratégias de marca das empresas. Além disso, em 70% delas, o propósito ajudou a viabilizar novos negócios.
Mas como conseguir meu propósito?
Dito isso tudo, o empreendedor olha para si mesmo e pensa: "e aí, qual o meu propósito?". Pois este é o caminho certo. A busca por um propósito pessoal é um primeiro passo para encontrar um que caiba no seu negócio.
Ter o propósito presente em toda a cadeia começa pelo dono e pelos líderes da empresa. Deve passar por todos os stakeholders, fornecedores, funcionários e chegar até os clientes e consumidores.
Claudia Bittencourt explica que há metodologias (como canvas e design thinking) que podem ser aplicadas para trabalhar a busca pelo propósito da empresa. Todas seguem uma mesma lógica, de que a resposta deve ser encontrada com base no capital humano presente, e não vir de fora para dentro.
Tamanho não é documento
Buscar a essência de uma marca não é e nem deve ser privilégio das grandes empresas. Estas talvez tenham mais estrutura para colocar em prática o propósito em diferentes frentes de trabalho. Mas tem muito negócio pequeno que está fazendo bonito, neste quesito.
A Badu Design nasceu como um trabalho artesanal da sua fundadora, Ariane Santos. Com o apoio de entidades como o Instituto Legado, o negócio cresceu, e hoje é uma marca de acessórios e artigos de papelaria que une geração de renda e sustentabilidade.
"A gente trabalha tanto com o objetivo de aproveitar o resíduo têxtil das indústrias da moda, como todo o processo de empoderamento das mulheres, com visão empreendedora", explica Ariana. A Badu trabalha com organizações de mulheres que costuram as peças a um custo de matéria prima próximo do zero, e que tiram sua renda desta parceria. Em abril, a empresa venceu o concurso Hora de Brilhar, que premia mulheres empreendedoras que estão começando a montar seus negócios.