O divórcio direto, possibilidade garantida há 11 anos no ordenamento jurídico brasileiro, veio para atender a muitos anseios. A eliminação de prazos e da discussão sobre culpa no fim da relação conjugal deu celeridade a esses processos que, em geral, são carregados por sofrimento enquanto perduram. Além disso, o avanço permitiu que muitos brasileiros saíssem de relações por vezes marcadas por abusos e violência.
Concebida pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a Emenda Constitucional 66, de 13 de julho de 2010, foi responsável por instituir o divórcio direto no Brasil. Com ela, caiu em desuso a separação judicial, bem como os longos prazos para a dissolução do casamento, que só era possível após um ano de efetiva separação ou caso fosse comprovado o fim da união há pelo menos dois anos.
Até aquela época, as pessoas ficavam impedidas de se casar novamente até que todo o processo chegasse ao fim. A norma também pôs fim à discussão sobre a qual dos ex-parceiros cabia a culpa pelo término do relacionamento, informação pouco relevante para a Justiça. Ainda tornou possível que apenas um cônjuge manifeste seu desejo para o rompimento do vínculo, ainda que a outra parte não esteja de acordo.
Quando promulgada, a EC 66/2010 beneficiou, de imediato, milhares de brasileiros que se separavam ou tinham processos pendentes, diminuindo a litigiosidade e ajudando a desafogar o Poder Judiciário. Passados 11 anos, a emenda reafirma seu valor e importância em meio à pandemia da Covid-19, com o aumento dos pedidos de divórcio – que, desde o ano passado, também podem ser feitos de forma on-line.
Importância da EC 66/2010 cresce ano após ano
O então deputado federal Sérgio Barradas Carneiro, sócio honorário do IBDFAM, foi o autor da EC 66/2010, em parceria com o Instituto. “Essa emenda mostra a sua relevância ano a ano, porque facilitou a vida das pessoas. Sua importância cresce mais ainda quando analisamos o contexto da sociedade atual”, avalia o advogado.
“A EC 66/2010 veio ao encontro da aspiração das pessoas em sair de uma relação infeliz e irem em busca da felicidade em um outro relacionamento”, diz Sérgio Barradas. Ele lembra que os avanços da medicina têm prolongado a vida das pessoas e, assim, elas passam por mais ciclos ao longo de sua trajetória. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, o tempo médio do casamento no Brasil é de 14 anos.
A pandemia do coronavírus afetou a conjugalidade de várias maneiras, a começar pela crise econômica. “Com a Covid-19, muitas empresas fecharam e, desta forma, aumentou o desemprego. Na medida em que pessoas são excluídas do mercado, isso causa uma desestruturação familiar”, comenta Barradas.
A quarentena também acirrou conflitos já existentes, o que se evidenciou com o aumento dos casos de violência doméstica. “Pessoas que tiveram conflitos em seus relacionamentos encontraram na EC 66/2010, somada à Lei 11.441/2007, que permitiu divórcio e inventário extrajudicial, a possibilidade de pôr fim a um vínculo infeliz e buscar a felicidade em um outro relacionamento.”
Bahia pioneira
Sérgio Barradas afirma ter a satisfação de seguir a vanguarda baiana no Direito das Famílias. Ele conta que, durante o Império, só havia o casamento religioso no Brasil. Desde a proclamação da República, uma série de políticos da Bahia participaram da evolução do tema no ordenamento jurídico do país:
“Foi Rui Barbosa (1849-1923), como senador, representando a Bahia, quem instituiu o casamento civil, aprofundando a separação da igreja com o Estado em 1890. Já em 1977, depois de 26 anos de luta, Nelson Carneiro (1910-1996) foi responsável pela instituição do divórcio no Brasil. Em 2007, o então senador César Borges foi responsável pela emenda que permite divórcio e inventário extrajudicial”.
Busca por outros avanços no Direito das Famílias
Para Sérgio Barradas, o divórcio está bem encaminhado no ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, no Direito das Famílias, outras questões precisam avançar. É o caso das uniões poliafetivas, que seguem sem proteção legal, assim como as uniões estáveis simultâneas ao casamento.
“O Estado não deve invadir a seara privada das pessoas. Todos têm o direito de serem felizes da forma que melhor lhes aprouver”, defende Barradas. Ele cita as decisões recentes do Supremo Tribunal Federal – STF, que não reconheceu direitos às famílias simultâneas, cujas partes ainda hoje são tratadas como “amantes”.
“Amante não se confunde com companheira; é uma relação que se assemelha a um namoro e não gera nenhum efeito jurídico. A companheira, por sua vez, é uma esposa sem o papel assinado, com quem há relação de socioafetividade, reconhecimento público e sobretudo o animus de constituir família”, difere o especialista.
Ele acrescenta: “O Direito há de fazer justiça a essas pessoas, até porque, em muitos casos, os problemas aparecem quando essas pessoas envolvidas já estão em idade avançada. Não é justo que fiquem em desamparo após dedicar a vida inteira a uma pessoa que, de forma irresponsável, por não regularizar de alguma forma essa situação”.
“Boa lei é aquela que consagra uma prática social”
De acordo com o especialista, não há projetos de lei em trâmite que deem conta dessas realidades. “Temos um Congresso extremamente conservador. A boa lei é aquela que consagra uma prática social, como foi o caso da EC 66/2010. Os mais jovens não se lembram disso, mas a minha geração sabe bem o que era caminhar por vias tortas para obter um resultado que já era consenso entre dois adultos”, recorda.
O advogado lembra que, há 11 anos, houve forte resistência à EC 66/2010, classificada como “emenda do divórcio”. “Durante a tramitação, eu explicava que o objetivo não era separar as pessoas. Na verdade, a emenda era da felicidade e do casamento, porque vinha desburocratizar o divórcio para pôr fim a uma relação ruim, infeliz, e permitir a busca pela felicidade. Afinal, o divorciado pode se casar com qualquer pessoa, inclusive com aquela de quem se separou e depois se arrependeu.”
Para Barradas, o Direito das Famílias deve caminhar, na doutrina e na jurisprudência, para fazer justiça aos casos da vida real. “Louvo sempre o papel do IBDFAM em seus congressos, sobretudo os nacionais, em que estimulamos e colocamos no mesmo ambiente advogados, defensores públicos, promotores de Justiça, juízes, desembargadores e ministros para que possamos socializar e consensuar soluções para os problemas ainda sem regulamentação em lei”, conclui.