O destino de animais domésticos cujos tutores rompem relacionamentos amorosos – casamentos ou mesmo uniões estáveis – deve ser apreciado no âmbito judicial por varas de família. O entendimento partiu da 7ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), ao julgar conflito de competência negativo suscitado por uma das varas da família em detrimento de uma das varas cíveis da comarca da Capital.
“Diante desse contexto em que a adoção dos animais se deu na constância da união estável e da evolução jurisprudencial da matéria, conclui-se que a competência para o processamento e julgamento da lide deve ser afeta ao Juízo da Vara da Família”, posicionou-se a relatora do conflito, seguida de forma unânime pelos demais integrantes do colegiado. Ela colacionou ao voto excertos de decisões dos tribunais superiores que sustentam essa inclinação dos julgadores no país.
A relatora destacou que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão responsável pela uniformização da interpretação da legislação federal, ao julgar recurso especial entendeu ser possível, ao fim de um casamento ou união estável, o reconhecimento judicial do direito de visita a animal de estimação adquirido durante a constância do relacionamento. O próprio TJSC, em dois julgados recentes, acompanhou essa posição e considerou a área de família competente para tanto.
Em que pese a natureza jurídica dos animais dada pela legislação civil, seguiu a desembargadora em sua análise do contexto, em se tratando de animal de companhia/estimação (“pets”), a jurisprudência tem evoluído para lhes dar tratamento jurídico diferenciado, de modo a conferir especial proteção do ser humano e do seu vínculo afetivo com o animal. Ela citou ainda projetos de lei em tramitação que tratam dos direitos dos animais.
No Senado Federal, por exemplo, está em discussão o Projeto de Lei n. 542/2018, que dispõe sobre a custódia compartilhada dos animais nos casos de dissolução do casamento ou da união estável. Em seu artigo 1º, rememora a relatora, está disposto que na dissolução do casamento ou da união estável sem que haja entre as partes acordo quanto à custódia de animal de estimação de propriedade comum, o juiz de família determinará o compartilhamento da custódia e das despesas de manutenção do animal de forma equilibrada entre as partes.
O caso concreto bateu às portas da Justiça no último dia 9 de fevereiro. Um casal em união estável, com quatro cachorros na residência, resolveu se separar e para tanto formalizou um acordo que, entre outras deliberações, definiu que os animais ficariam sob a guarda da mulher, com a obrigação de o homem pagar uma ajuda de custo mensal de R$ 600 para a manutenção dos pets. Passados alguns meses sem receber a “pensão” prometida, a mulher ingressou na Justiça em busca do seu direito.
A ação foi distribuída originalmente para uma das varas cíveis da comarca da Capital. O juiz titular, contudo, entendeu que, no caso em discussão, “não há como desconsiderar o valor subjetivo envolvendo o animal no contexto familiar, especialmente por ser demanda que trata do vínculo afetivo deste com o casal que vivia em união estável, com discussão sobre a guarda e alimentos”. Por isso, declinou da competência para uma das varas da família.
O magistrado dessa unidade, contudo, ao deparar com a ação, interpretou a matéria de outra forma. “Apesar do afeto existente entre o dono e seu animal de estimação, não compartilho do entendimento de que este possa ser objeto de guarda, alimentos ou sua cobrança e regime de convivência, pois o animal não é sujeito de direitos nem pode ser equiparado à figura dos filhos, a quem tais institutos são previstos”, disse, ao suscitar conflito negativo de competência.
A palavra final foi dada nesta semana pela 7ª Câmara Civil do TJ, e a ação retornará ao juízo da família da Capital para ter seu processamento e julgamento.