Por 301 votos a favor e 106 contrários, a Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (8) um projeto de lei que cria o Código de Defesa do Contribuinte. A proposta segue, agora, para o Senado.
Um dos objetivos do texto, segundo o relator da matéria, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), é valorizar os chamados "bons pagadores".
A proposta estabelece, por exemplo, que a categoria de bom pagador seja usada para concessão de descontos e de condições mais favoráveis à resolução de litígios fiscais.
A Fazenda Pública também poderá, segundo o texto, priorizar a análise de processos administrativos dos bons pagadores, bem como a devolução de créditos desse contribuinte.
A proposta prevê descontos progressivos de multa para o devedor, inclusive de juros de mora, que podem ser de:
- 60%, caso o pagamento ocorra no prazo para apresentação da impugnação;
- 40%, caso o pagamento ocorra durante a tramitação do processo administrativo em primeira instância até o encerramento do prazo para interposição do recurso voluntário;
- 20%, nos demais casos, desde que o pagamento seja realizado até 20 dias após a constituição definitiva do crédito tributário.
O texto prevê ainda que, se for identificado fato que justifique a inclusão de terceiro como sujeito passivo da obrigação tributária após a constituição definitiva do crédito tributário, a Fazenda Pública deve solicitar “a instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal”.
Na avaliação de entidades vinculadas ao fisco, o dispositivo cria uma série de regras que favorecem a blindagem de sócios que atuam por meio de terceiros - ou “laranjas”.
O presidente do Sindifisco Nacional, Isac Falcão, afirma que a proposta “inviabiliza a repressão” à criação de estrutura de laranjas para o não pagamento de tributos.
“À medida em que você precisa de um incidente judicial para descaracterizar personalidade jurídica, isso é incompatível com o tempo de decadência de tributo, portanto inviabiliza a fiscalização desse tipo de sonegação fiscal”, disse.
“Se pessoas que tem interesse de sonegar vão ter a sua disposição esse tipo de recurso que não poderá ser combatido, isso vai resultar a necessidade de arrecadação adicional sobre todos os outros contribuintes que não usam esse tipo de expediente”, disse
Tribunal administrativo
O projeto estabelece, ainda, o direito ao duplo grau de jurisdição administrativa ao contribuinte.
"Trata-se de relevante princípio protetivo, e sua expressa previsão de aplicação aos processos administrativos fiscais alinha-se ao que já é determinado para as decisões administrativas proferidas no âmbito aduaneiro", argumentou o relator da matéria.
Ainda de acordo com o texto, o tribunal administrativo pode ampliar as possibilidades de recursos, inclusive de ofício.
As decisões do tribunal administrativo devem acontecer de forma colegiada. Em caso de empate, segundo a proposta, a questão resolve-se favoravelmente ao contribuinte - o que, na prática, que acaba com o voto de qualidade do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). O PT tentou retirar esse dispositivo durante a votação, mas foi derrotado.
Outra mudança é a exigência de que a decisão administrativa sobre a impugnação ou recurso do contribuinte seja proferida em, no máximo, um ano a partir da data do protocolo. Estourado o prazo, fica suspensa a incidência de juros de mora sobre o crédito tributário controvertido.
Opiniões divergentes
A proposta, porém, tem dividido entidades ligadas ao Fisco e é criticada por parlamentares da oposição.
Na avaliação do PSOL, partido que votou contra a matéria, uma série de medidas do projeto estimula o descumprimento do pagamento dos tributos e cria privilégios para uma parte dos contribuintes.
“Quer-se mudar a correlação de forças que há no tribunal favorecendo as empresas, retirando o papel do Fisco. O projeto, de maneira geral, já tem uma excessiva permissividade para esses grandes devedores do Estado e, ainda, em caso de disputa vai ter um peso muito maior para decisão desses próprios devedores”, disse a líder do PSOL, Sâmia Bomfim (SP).
Já o autor da matéria, deputado Filipe Rigoni (União-ES), a proposta dará "estabilidade jurídica para o pagador de imposto e o Fisco".
"Com o Código, estamos garantindo direitos ao Pagador de Impostos. Hoje ele conta com uma série de deveres, mas não tem direitos respeitados", disse. "Entre as medidas, por exemplo, na hora de fazer autuação, a Receita não poderá exigir pagamento de multa imediatamente. Ela vai ter que notificar primeiro o autuado. Estamos dando o direito das pessoas se defenderem. Os principais países do mundo já contam com o Código e no Brasil isso já se arrastava por décadas e hoje foi votado na câmara ".
O presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais Federais (Unafisco Nacional), Mauro Silva, disse se “surpreender” que um tema de tamanha complexidade fosse votado em regime de urgência sem que houvesse uma “ampla discussão” com a sociedade.
“Nossa principal crítica é que se votou um projeto muito complexo, abrangendo várias áreas, sem a devida discussão”, disse Mauro Silva.
“O projeto surge como Código de defesa do contribuinte, mas num conteúdo muito ruim para o interesse público, a ponto de ser chamado de código de defesa do Sonegador’. Ele sofreu avanços por parte do relator, mas ao avançar ele aumentou muito a complexidade [do projeto], o que desaconselha a ser votado em regime de urgência.”
Silva defende que o tema seja melhor debatido no Senado, amadurecendo por exemplo temas como desconto de multas.
“Claro que temos que dar um tratamento diferenciado ao bom contribuinte em relação àquele que sonega, sim, é uma visão com a qual a gente concorda. Mas o projeto não foi adequadamente amadurecido em vários pontos e a gente espera que no senado ele o seja”, afirmou.