Criança gerada por inseminação caseira pode ter dupla maternidade

Fonte: IBDFAM
26/05/2021
Direito de Família

A 1ª Vara Cível da comarca de Laguna, em Santa Catarina, julgou procedente ação para registro de nascimento de criança com dupla maternidade gerada por autoinseminação caseira. As autoras não possuíam declaração de médico responsável para registro e emissão da certidão de nascimento, tendo em vista que o procedimento caseiro não é revestido das formalidades legais e médicas de uma inseminação assistida.

Conforme consta nos autos, as autoras mantêm união estável e compartilhavam do desejo de se tornarem mães, mas não tinham condições de realizar um procedimento de inseminação artificial. A autoinseminação caseira teria ocorrido por meio da inserção do sêmen de um doador anônimo, com êxito na segunda tentativa, de modo que uma das autoras gerava um bebê com seis meses de gestação. A ausência de parentesco genético com a outra requerente, porém, a impediria em um primeiro momento de registrar a criança como sua filha.

A juíza pontuou em sua decisão que a família é tomada como base da sociedade, com direito à proteção do Estado, o que ocorre tanto no casamento quanto na união estável. Citou ainda a Constituição Federal, que preceitua que "o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas".

Lacuna

A sentença reconhece que o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, ao editar o Provimento n. 63/2017, regulamentou o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida, porém com a indispensável apresentação de "declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários".

Para a magistrada, porém, há uma lacuna no provimento, uma vez que ele não “prevê o procedimento a ser adotado em casos semelhantes ao aqui tratado, cabendo, portanto, ao Judiciário, mediante acionamento, utilizar dos métodos integrativos disponíveis no direito para chegar à solução do conflito".

Ainda conforme a sentença, sob a ótica do nascituro envolvido, é importante destacar que ele tem direito fundamental à identidade, consolidado na Declaração dos Direitos da Criança e na Constituição. "Além disso, pode-se ponderar que é do melhor interesse do nascituro ter sua ascendência registrada com o nome do casal requerente, visto que lhe proverá os cuidados necessários e lhe proverá afeto como genitores(as), independentemente do vínculo genético." No texto é citado ainda o Código Civil, que resguarda os direitos dos nascituros: "Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro."

Para a juíza, "não cabe ao Estado interferir no planejamento familiar, mas sim protegê-lo''. Segundo ela, na medida em que se reconhece legalmente o vínculo de ascendência no caso de inseminação artificial heteróloga, não há porque não reconhecê-lo no presente caso, por se tratar de situação bastante semelhante, que só não preenche o requisito de acompanhamento/documentação médica.

No que se refere ao doador do material genético, a juíza concluiu que "restou esclarecido pelas autoras, em audiência realizada, que se trata de pessoa anônima residente em outro Estado e que teve plena ciência e anuência com o procedimento. Ademais, destaca-se que eventual direito à busca pelo ascendente biológico ou pela criança acerca da sua origem genética não será obstado, motivo pelo qual o deferimento da presente não causará nenhum prejuízo a estes."

Desta forma, e em analogia aos arts. 16 e 17 do Provimento n. 63 do CNJ, julgou procedente o pedido formulado para autorizar o registro da criança, independentemente da apresentação da documentação exigida, com determinação ao cartório de registro civil para que faça constar os nomes das autoras como ascendentes, sem distinção de ascendência paterna ou materna.

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