Diante da existência de poucas varas exclusivas de violência doméstica no país e do excessivo número de casos de agressão contra mulheres que chegam à Justiça, o Conselho Nacional de Justiça aprovou por unanimidade nota técnica contrária ao Projeto de Lei 3.244/2020, do Senado, que prevê a ampliação das competências desses juizados especializados para que passem a receber e julgar processos de divórcio ou partilha de bens.
Atualmente, existem no Brasil 139 varas exclusivas para processar e julgar os casos enquadrados na Lei Maria da Penha e tramitam, nestas e outras varas não exclusivas, mais de um milhão de processos sobre o tema.
Por meio de nota técnica, o Plenário do CNJ considerou as dificuldades que a medida traria se aprovada pelo Congresso Nacional. Embora ações que tratam de questões como direito a visita de filhos e pensão possam tramitar na mesma vara em que tramitam as medidas protetivas de urgência, a Lei Maria da Penha não prevê que a opção possa ser feita pela mulher.
De acordo com o voto na nota técnica, aprovada na 91ª Sessão Virtual, apesar da boa intenção da mudança na lei, o PL 3.244/2020 poderia aumentar o volume de processos dessas varas exclusivas, fragilizando ainda mais o sistema de enfrentamento à violência doméstica adotada por essas unidades.
"A ampliação da competência proposta pelo PL 3.244/2020 ocasionaria sobrecarga nas unidades referenciadas e, por consequência, o aumento da taxa de contingenciamento processual, o que prejudicaria seriamente a análise das medidas protetivas de urgência previstas na Lei 11.340/2006", diz, em seu voto, o relator do processo, conselheiro Mário Guerreiro.
Excesso de demanda
As varas especializadas de violência doméstica foram criadas justamente para garantir efetividade às demandas de ameaça e violência contra a mulher.
Para a desembargadora Tânia Reckziegel, conselheira do CNJ e coordenadora do Grupo de Trabalho para elaboração de estudos e propostas visando ao combate à violência doméstica e familiar contra a mulher, “incluir na competência dessas varas matérias que não as específicas de violência doméstica aumentará a taxa de congestionamento da unidade (que já é alta), comprometendo a efetividade da tutela jurisdicional, que é o que se busca e que é dever do Estado prestar”, afirmou.
A Lei Maria da Penha estabelece que os Juizados Especiais de Violência Doméstica possuem competência híbrida para julgar casos cíveis e penais. A ideia é que a mulher possa resolver os problemas jurídicos relativos à família no mesmo juizado. No entanto, na prática e pela complexidade dos casos, os Juizados de Violência Doméstica têm ficado restritos às medidas protetivas de urgência previstas na Lei.
Para garantir que a proteção da mulher e da família seja tratada como prioridade, um dos enunciados formulados por magistrados e magistradas que tratam do tema no Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher estabeleceu que as ações cíveis e as de Direito de Família sejam processadas e julgadas pelas varas cíveis e de família, respectivamente.
De acordo com dados sobre o funcionamento das varas no país, há casos, como o do 1º Juizado especializado do Mato Grosso, em que a unidade judiciária consegue desenvolver as duas competências, simultaneamente. No entanto, a medida proposta pelo texto do Senado obrigaria todas as unidades exclusivas a seguir o mesmo caminho.
A nota orientadora foi encaminhada aos presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, ao Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República, ao Ministro da Justiça e da Segurança Pública e à Procuradoria-Geral da República. Com informações da assessoria de imprensa do CNJ.