O momento é crítico para autônomos e pequenos negócios, que tentam driblar a crise provocada pelo novo coronavírus com criatividade. E haja inovação: tem cabeleireiro que lançou vouchers para serem usados depois da quarentena e instituição centenária de música que precisou migrar para o mundo virtual, sem contar os bares que vêm mobilizando a boemia em campanhas como a de pendura invertida. Sensibilizar a clientela e alunos fiéis é a melhor forma agora para se manter de pé.
Max Farias corta cabelos na sua casa, em Botafogo. Agora, isolado, sem poder receber ninguém, tenta mobilizar clientes lançando cupons para serem usados depois, ao longo de 2020. O corte, que custa R$ 100, sai por R$ 80 dessa forma. Também são oferecidos serviços de escova progressiva sem formol, coloração e de mechas.
- Criei cupons para cada serviço. Limitei o número de vouchers para não acabar trabalhando sem receber nada depois da quarentena. Todos têm pelo menos 20% de desconto. Os de corte acabaram no mesmo dia - diz ele, refazendo todo o seu orçamento. - A venda dos cupons não paga as minhas contas, mas pelo menos garante o meu aluguel.
Se a quarentena durar além do esperado, ele deve lançar mais vouchers e também oferecer consultoria virtual: a ideia é manter o engajamento da sua rede.
O Salão Azul, também em Botafogo, fundado em 1945 e que hoje é referência em cachos, vem seguindo estratégia parecida. Os cupons de corte, coloração e design de sobrancelha estão saindo com 10% de desconto e têm prazo indeterminado.
- Até agora vendemos R$ 11.200. Conseguimos pagar as contas do próximo mês com esse dinheiro. Mas ainda não sabemos como vai ser nos outros meses - afirma, preocupada, Mariana Sixel de paiva, dona do salão. - Nós temos uma clientela bem fiel, e as pessoas estão dando bastante suporte. A vaquinha vem subindo a cada dia.
Do casarão histórico do Conservatório de Música de Niterói, no Centro da cidade, ninguém mais escuta o barulhinho bom de instrumentos musicais. As aulas, claro, foram suspensas. Mas, para preencher esse vazio deixado também nos alunos, a instituição centenárias - exatos 106 anos -, pela primeira vez, levou suas aulas para a internet. Agora, a turma do conservatório tem suas lições de canto e instrumentos por vídeo, ao vivo.
- Basicamente, 75% dos nossos alunos estão engajados. Infelizmente, quem não tem o instrumento em casa e alguns idosos não estão conseguindo participar - lamenta Isadora Vianna, diretora da escola e terceira geração no comando do conservatório.
Por outro lado, não é que em tempos de isolamento social a instituição conseguiu chamar a atenção no Instagram, com pedidos de informação sobre as aulas virtuais?
- Temos uma primeira aula, de aluno novo, agendada para esta semana - diz Isadora, contando que a logística para atender todos é complexa, já que a escola tem cerca de 300 alunos.
O momento atual exige que profissionais que trabalham por conta própria se reinventem. E foi o que a psicóloga Maria Luiza Frota, que atende no Leblon e em Icaraí, fez. Ele é outra que agora explora as possibilidades das novas tecnologias para manter o consultório e ajudar seus pacientes em terapia.
Depois de uma primeira fase de adaptação dos dois lados, agora a agenda voltou a ficar cheia:
- Nos primeiros dias, ainda em choque, muitos clientes apresentaram resistência ao atendimento on-line, preferindo inclusive interromper o tratamento. Aí veio o pânico: como psicóloga clínica, o consultório é 100% da minha renda! Entendi que era hora de arrumar a casa, literal e simbolicamente - afirma ele, acrescentando. - A casa interna foi acolher meu próprio medo frente às notícias que chegavam. E também precisei arrumar a minha casa como espaço de trabalho, um lugar de privacidade e acolhimento e com recursos virtuais quase sempre foram protelados pela preguiça em lidar com tecnologia.
Uma das preocupações da psicóloga - que vem buscando uma rotina, prescrita também aos seus pacientes - é com colegas que atendem por convênio e hoje estão em apuros porque não tiveram autorização para atender on-line. Perrengue pelo qual passam diferentes profissionais autônomos, como bombeiros, eletricistas, manicures... Em grupos de WhatsApp moradores de vários bairros se mobilizam para ajudar essas pessoas.
"Há muitos serviços não essenciais funcionando. Podemos nos oferecer para ajudar com pagamentos antecipados, no caso de serviços que usamos regularmente, como manicure. O momento é de fazer pressão para que os estabelecimentos dispensem funcionários", apelou uma morada do Humaitá num grupo do bairro.
Para manter os cinco funcionários do seu estabelecimento (objetivo maior agora) e pagar o aluguel de duas lojas, o Bar Madrid, na Tijuca, teve que começar a fazer delivery e buscar apoio da freguesia. Como muitos bares, o Madrid oferece agora consumação antecipada com recompensas na plataforma Abacashi. No dele, funciona assim: se a ajuda for de R$ 25, o cliente ganha também uma dose de batida da casa; mas, se o desembolso for de R$ 100, por exemplo, a consumação sobe para R$ 130, além do direito a duas doses de batida.
O tamanho da generosidade é proporcional aos benefícios. Até sexta, o bar tinha arrecadado cerca de R$ 19 mil.
- O delivery não faz nem cosquinha no que temos que pagar. Principalmente, porque nunca trabalhamos com entregas. No meio desse desespero, demos uma pesquisada, vimos que alguns bares estavam fazendo campanhas na internet e achamos uma plataforma de venda antecipada de consumação. Ressalto: não é doação - explica o sócio Felipe Quintans.
Apesar da gravidade do momento, ele acha que as iniciativas que vêm tomando renderão frutos para além do período de quarentena:
- Há uma aproximação forte com clientes. O pessoal quer, além de fazer pagamento antecipado, conversar, mandar mensagens de apoio para a gente. Para mim, depois que isso tudo passar, o relacionamento com a freguesia vai ser muito mais forte. Nossos vínculos de afeto e de parceria serão muito mais estreitos.
A Casa Porto, bar no Largo de São Francisco da Prainha, aposta nesse vínculos par driblar essa crise. E os frequentadores tem ajudado com ideias, num grupo de WhatsApp que já conta com mais de 250 pessoas. Além de ter adotado o delivery, a casa lançou o que foi batizado de Pendura Invertida:
- Ora, quase todo dia recebemos aquele pendura! A hora agora é de a gente pendurar com os clientes. Usando uma plataforma de pagamento digital (a Ame), criamos a possibilidade de o cliente pagar qualquer valor, que ele só vai consumir depois de reabrirmos - afirma o proprietário do bar, Raphael Vidal, que dispensou funcionários e está trabalhando só com o pessoal que mora no Morro da Conceição. - O Pendura Invertida se tornou uma esperança para mantermos os funcionários da Casa Porto com os salários em dia enquanto esperamos uma posição do governo federal. Em uma semana, arrecadamos quase R$ 10 mil.
O estabelecimento, que conta com 22 funcionários no total, também vem lançando campanhas quase que diárias. Como a do Livro Surpresa: no Uber Eats, foi colocada a opção "A gente não quer só comida", e, por R$ 10, o bar enviada um livro com o perfil da pessoa até a sua casa.
- Estamos agora com a campanha de uma festa chamada Baile da Insistência, que vai acontecer somente em setembro. Mas como "o que espanta miséria é festa", como dizia Beto Sem-Braço, estamos gingando com a crise fazendo festa, que é o que nos une - conclui Vidal.