Levantamento obtido pelo G1 junto ao Ministério do Trabalho e Previdência mostra que nos primeiros sete meses de 2021 já foram concedidos 108.263 benefícios por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) para trabalhadores com transtornos mentais e comportamentais.
No grupo de 468 doenças estão incluídos transtornos como depressão, ansiedade, pânico, esquizofrenia, estresse pós-traumático, transtorno bipolar e fobia social. A depressão e ansiedade estão como os principais caso de pedidos de afastamentos.
O Ministério do Trabalho e Previdência não informou, até a publicação desta reportagem, o número geral de concessões de auxílio-doença de janeiro a julho deste ano, por isso, não há como informar o que as 108.263 liberações representam em relação ao total.
Os dados mostram, no entanto, que de 2019 para 2020 houve aumento de 29% na concessão de auxílio-doença para doenças relacionadas a transtornos mentais e comportamentais.
Foram 289.677 liberações em 2020, frente aos efeitos da pandemia na saúde mental dos brasileiros – em 2019, foram 224.527 concessões.
Doenças com maior crescimento na concessão de auxílio-doença de 2019 para 2020:
- Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave com sintomas psicóticos: 97%
- Transtorno depressivo recorrente, episódio atual grave sem sintomas psicóticos: 88%
- Esquizofrenia paranoide: 83%
- Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave sem sintomas psicóticos: 82%
- Transtorno de pânico e episódio depressivo grave com sintomas psicóticos: 73%
No ano passado, dentro do número geral de concessões de auxílio-doença, duas doenças do grupo de transtornos mentais e comportamentais ficaram entre as 10 com maior número de afastamentos do trabalho. Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos ficou em 8º lugar, com 26.327 concessões, e transtorno misto ansioso e depressivo ficou em 10º lugar, com 20.986.
Do total de 108.263 concessões do benefício este ano, apenas 4.818 foram relacionados diretamente ao trabalho, ou seja, foram acidentários (4,5% do total). Mas, em relação ao ano passado, o número é maior. Em 2020, do total de 289.677 benefícios de auxílio-doença concedidos, 4.456 foram acidentários (1,5% do total).
Doença ocupacional
Para que os transtornos sejam reconhecidos como doença ocupacional, o trabalhador deve provar para a perícia do INSS que adoeceu em decorrência de suas atividades (leia mais abaixo).
No caso do burnout, que não entra na lista dos transtornos mentais e comportamentais, até julho deste ano, foram concedidos 270 benefícios de auxílio-doença. No ano passado foram 610, crescimento de 45% em relação a 2019 (422).
Direitos previdenciários
De acordo com a advogada Cíntia Fernandes, sócia do escritório Mauro Menezes & Advogados, as doenças psicológicas em decorrência do trabalho são consideradas de caráter ocupacional, com direitos como o recebimento de auxílio-doença acidentário pago pelo INSS (no caso de afastamento superior a 15 dias) e direito à estabilidade provisória de até 12 meses após o fim do recebimento do benefício previdenciário.
“O empregado será submetido à perícia pelo INSS e em muitos casos a doença ocupacional não é reconhecida pela autarquia previdenciária, com a concessão de auxílio-doença em vez do auxílio-doença acidentário. O auxílio-doença não dá direito à estabilidade provisória. Nesse caso, é possível entrar com recurso administrativo para conversão do benefício previdenciário ou medida judicial”, diz.
Para ter direito ao benefício, o segurado deve realizar o agendamento da perícia médica pelo site Meu INSS, através do aplicativo Meu INSS ou pelo telefone 135.
De acordo com o advogado especialista em direito previdenciário Celso Joaquim Jorgetti, da Advocacia Jorgetti, no dia da perícia, o trabalhador deve apresentar o laudo do médico que ateste a doença e a incapacidade para comprovar a necessidade do afastamento, além de exames médicos, tomografia, receitas de medicamentos, entre outros.
Além disso, para solicitar o benefício de auxílio por incapacidade temporária, o trabalhador precisa estar incapacitado por mais de 15 dias para o trabalho e ter mais de 12 meses de contribuição para o INSS.
O trabalhador que ficar incapaz de forma total e permanente de exercer sua atividade profissional por conta da doença psicológica pode requisitar a aposentadoria por invalidez.
“Deve-se demonstrar para o perito o motivo pelo qual a doença atrapalha o trabalho ou se o fato de estar trabalhando agrava o quadro, pois a doença em si não garante o direito à aposentadoria, mas a comprovação de que ela o torna incapaz para as atividades”, explica João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin.
Acidente de trabalho
Funcionários que adoecem por depressão e esgotamento profissional em razão do trabalho têm reconhecido o acidente de trabalho, de acordo com a advogada Julia Demeter, especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.
“Ou seja, a doença será considerada como doença ocupacional. Portanto, as empresas deverão cumprir os requisitos legais em casos de acidente de trabalho, como garantir o período de estabilidade, emitir a Comunicação de Acidente de Trabalho [CAT], podendo ser penalizadas na Justiça do Trabalho pelo adoecimento desse funcionário, com o pagamento de danos morais e materiais”, alerta.
A advogada Cíntia Fernandes alerta que é importante que o trabalhador comunique o seu empregador e apresente atestados e laudos médicos para a emissão da CAT.
“Caso a empresa se recuse a emitir a CAT, o próprio empregado pode fazê-lo, conforme informações no site da Previdência Social. Ainda que a doença não esteja diretamente relacionada às atividades laborativas ou não exija licença médica, é importante a comunicação do tratamento ao empregador para remanejamento de atividades, a fim de se evitar o agravamento do quadro clínico”, esclarece.
Razões para o aumento das concessões
Para João Badari, a pandemia e o home office aumentaram o risco de doenças psicológicas ligadas ao trabalho.
“A intensificação da jornada de trabalho, atestadas por estudos que apontam pelo menos o aumento de 10% na carga média laboral na pandemia, e a adoção apressada e desorganizada do trabalho remoto agravaram a saúde psicológica do trabalhador”, afirma.
Para o advogado Leandro Madureira, sócio do escritório Mauro Menezes & Advogados, a prática de isolamento social, o temor pela própria vida e de sua família, o cenário político e social de extrema instabilidade e a grande quantidade de vidas perdidas desde o início da pandemia contribuíram significativamente para um aumento de doenças de fundo emocional e mental.
“Os trabalhadores estão esgotados, mas temem entrar para o absurdo número de desempregados do país. Trabalham doentes, seja pelo medo, seja pela inoperância do INSS nos afastamentos”, analisa.
Na visão do advogado Ruslan Stuchi, sócio do Stuchi Advogados, a intensa competitividade e o uso expressivo de novas tecnologias, além da cobrança de metas cada vez mais difíceis de serem alcançadas acabam se tornando fatores de risco para o surgimento da doença mental. “Além disso, o uso da tecnologia acaba destruindo as barreiras entre trabalho e vida pessoal, o que torna o trabalhador constantemente conectado ao trabalho”, avalia.
Papel das empresas
Para Marco Aurélio Serau Júnior, advogado e professor da UFPR, as empresas têm papel importante na prevenção do adoecimento emocional de seus empregados. Para isso, devem respeitar os direitos trabalhistas elementares, como o limite máximo de jornada de trabalho e o direito à desconexão, além de desenvolver programas de saúde emocional para acolhimento dos colaboradores.
A advogada Cíntia Fernandes ressalta que o artigo 19 da lei nº 8.213 dispõe que a empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.
“No caso de descumprimento das normas de segurança e saúde, a empresa pode ser penalizada administrativamente com a imposição de multas ou, a depender da gravidade, interdição do estabelecimento”, aponta.
Serau Júnior destaca que as empresas também podem sofrer sanções em relação ao adoecimento de seus funcionários se ficar comprovado que elas causaram o quadro.
Na Justiça do Trabalho, a maior demanda de processos de trabalhadores, segundo Julia Demeter, são o reconhecimento do acidente de trabalho e o pagamento de pensão vitalícia por parte da empresa em decorrência da invalidez ou incapacidade.
“Os trabalhadores, na maioria das vezes, perdem a capacidade profissional de exercer as atividades e de atuar novamente na mesma função. Assim, requisitam na Justiça, além da pensão vitalícia, o pagamento da indenização por danos morais e materiais, bem como o ressarcimento do período de estabilidade, que por muitas vezes é ignorado pelo empregador”, diz.