Com a expectativa de que a pandemia leve a uma onda recorde de pedidos de recuperação judicial pelas empresas, cresce a preocupação de que o Poder Judiciário não dê conta dessa nova demanda.
Com atuação no Superior Tribunal de Justiça (STJ) focada em Direito Privado, o ministro Luis Felipe Salomão defende ser preciso “achatar” essa curva de procura pela Justiça, a exemplo do que se tenta fazer no sistema de saúde. Por isso, o ministro encabeça uma proposta de recomendação para que tribunais do País estruturem centros de mediação específicos para causas empresariais, pedidos de recuperação judicial e falência.
Esses espaços funcionariam como uma espécie de filtro, com o objetivo de evitar que as empresas enfrentem, de fato, processo judicial, sobrecarregando um sistema que já trabalha no “limite”, pontua o ministro.
Na prática, um pedido de recuperação judicial feito por uma empresa, por exemplo, seria encaminhado anteriormente para um ambiente de negociação. Salomão lembra que a legislação já oferece ferramentas para essas situações, como a própria lei da mediação.
“É uma situação de emergência. São espécies de ‘hospitais de campanhas’ para enxugar essa taxa (de demanda do Judiciário). Se não, perdem todos, o credor, o devedor, e a sociedade, que perde empregos, geração de empregos, tributos. É preciso fazer alguma coisa”, disse o ministro ao Estadão/Broadcast.
Para a ideia ser concretizada, a recomendação precisa ser aprovada pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), onde já funciona desde 2018 um grupo de trabalho criado para melhorar o ambiente de recuperação judicial no Brasil. Salomão coordena esse comitê e, segundo ele, a proposta será discutida em reunião na próxima segunda-feira, quando mais detalhes serão acertados.
Em março, o grupo já foi responsável por aprovar no CNJ resolução para orientar o trabalho dos juízes em processos de recuperação judicial em meio à crise.
Rapidez
Apesar de já tramitar no Congresso Nacional um projeto de lei que cria um Sistema de Prevenção à Insolvência, Salomão defende que o Judiciário não fique na expectativa e tome desde já uma providência. O setor já trabalha com números consideradas preocupantes. A previsão é de que o Brasil supere os pedidos de recuperação judicial de 2016, quando o País teve recorde com cerca de 1.800 casos. Sócio da ARM Gestão, Marcus Vasconcellos estima que, só neste ano, o Brasil deve ter pelo menos 2.500 pedidos de recuperação judicial.
“Vai causar o caos dentro do sistema judicial, com essa avalanche de demandas. É uma realidade bastante similar ao que estamos vendo na saúde pública, guardada as proporções, lá se lida com vidas. Mas aqui, em certa medida, cada processo contém também a vida das pessoas, é o patrimônio, é modo de viver delas”, avalia Salomão.
Especialista na área, Vasconcellos se diz preocupado com a alta demanda que o Judiciário vai enfrentar. Ele aponta que nenhuma medida concreta foi tomada até o momento para evitar um colapso. Em sua avaliação, a ideia de se estruturar espaços preventivos no Judiciário é “louvável” e deve ser feita.
Ele pondera, no entanto, que essa solução sozinha não vai segurar o volume de ações que chegarão no Judiciário. Para Vasconcellos, as mediações prévias devem ser mais efetivas para as empresas menores, que normalmente não dispõem de um aparato técnico para resolver os problemas financeiros extrajudicialmente.
Salomão também entende que serão esses os negócios mais beneficiados com a medida, se implantada. O ministro do STJ recorda que são justamente essas empresas que estão enfrentando dificuldades para tomar empréstimos na crise.